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segunda-feira, 25 de maio de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Prisão em flagrante. Arbitrariedade. [25/05/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Prisão em flagrante. Arbitrariedade. Lesões corporais sofridas em cela de delegacia.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRISÃO EM FLAGRANTE. ARBITRARIEDADE. LESÕES CORPORAIS SOFRIDAS EM CELA DE DELEGACIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DANOS MORAIS. DANOS MATERIAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. CUSTAS PROCESSUAIS E TAXA JUDICIÁRIA. ISENÇÃO.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. O ordenamento jurídico pátrio acolheu a responsabilidade objetiva da administração pública, lastreada na teoria do risco administrativo, a teor do disposto no artigo 37, § 6°, da constituição federal.

2. A prisão em flagrante de cidadão, sem que restasse caracterizada quaisquer das hipóteses legais previstas no artigo 302, do Código de Processo Penal, caracteriza ato ilícito. Prova dos autos que demonstra, outrossim, que o requerente sofrera lesões corporais enquanto se encontrava detido na cela da delegacia, por parte de pessoas que dolosamente lhe acusavam da autoria do delito que ensejara sua indevida prisão em flagrante, caracterizando-se, assim, a falha do Estado em garantir a incolumidade do preso, em flagrante ofensa ao artigo artigo 5º, inciso XLIX, da CF/88. Fato de terceiro ou concausa inocorrentes na espécie, dado que a injusta prisão do demandante se dera por falha exclusiva dos agentes estatais, que não se atentaram para a inexistência de circunstâncias fáticas autorizadoras da segregação cautelar.

3. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O dano moral decorrente da injusta prisão em flagrante se afigura in re ipsa. Precedentes.

4. O quantum indenizatório deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo de novo atentado. Ponderação que recomenda a majoração do quantum indenizatório.

5. DANOS MATERIAIS. Quanto ao pedido de indenização por danos materiais, relativamente ao extravio de lentes do contato durante o incidente, não prospera a pretensão da parte autora, uma vez ausente comprovação do dano emergente alegado.

6. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. De acordo com a Súmula nº. 326 do E. STJ, na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca. Honorários advocatícios mantidos.

7. Por outro lado, tem-se que o ESTADO goza de isenção do pagamento de emolumentos a escrivão que dele percebe vencimentos, consoante dispõe o parágrafo único, do art. 11, da Lei Estadual n.º 8.121/85, bem como da taxa judiciária, nos termos do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.960/89.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS. UNÂNIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível

Nº 70028207629

Comarca de Santa Maria

MATEUS BAGETTI
APELANTE/APELADO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento aos apelos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (Presidente) e Dr. Léo Romi Pilau Júnior.

Porto Alegre, 15 de abril de 2009.

DES. ODONE SANGUINÉ,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

1. Cuida-se de apelações cíveis interpostas por MATEUS BAGETTI, autor, e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, réu, contra sentença das fls. 184/186 que julgou parcialmente procedente a demanda para condenar o demandado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, a ser corrigida monetariamente desde a data da sentença, e indenização por danos materiais no valor de R$ 500,00, a ser corrigida desde 25/05/2006, devendo ainda incidir juros moratórios de 12% ao ano desde a citação. Outrossim, restou a parte ré condenada ao pagamento das custas processuais por metade, nos termos do artigo 11, alínea "a", da Lei nº 8.121/85, e honorários de 10% sobre o valor da condenação.

2. Em razões de apelo (fls. 188/206), afirma que a situação descrita na inicial, consubstanciada na sua injusta prisão, sem que estivessem presentes os requisitos do artigo 302, do CPP, configurou inequívoco abalo a direitos fundamentais insertos na CF/88. Discorre a respeito da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, bem como acerca dos critérios para a fixação do dano moral, que se afigura in re ipsa. Pondera que o quantum apurado na origem se apresenta aquém do prejuízo efetivamente experimentado, dada a arbitrária privação de sua liberdade por razoável período de tempo, no qual permanecera na companhia daqueles que o haviam injustamente imputado o crime de furto, que lhes ameaçaram e agrediram fisicamente, causando-lhe lesões corporais. Destaca que o fato do demandante não ter declarado nada em seu depoimento na delegacia é demonstrativo suficiente do estado de pânico que o acometera, mormente se considerado que fora chamado a depor após as ameaças sofridas na cela por parte dos demais presos. Frisa que, quando da prisão, fora exposto à situação vexatória, em frente a diversas pessoas, em claro prejuízo à sua imagem. Destaca que incumbia ao ESTADO garantir a incolumidade física do autor, salvaguardando o seu bem-estar. Quanto aos danos materiais, assevera que restou devidamente demonstrado, através do boletim de ocorrência da fl. 58 e respectivos recibos das fls. 97 e 103, o extravio das lentes de contato do requerente, ocorrido durante o incidente, e a compra de novas, no montante de R$ 300,00. Assim, pede seja dado provimento ao apelo para majorar a verba indenizatória concernente tanto aos danos morais quanto materiais.

2. Em suas contrarrazões (fls. 209/214), o réu pede a improcedência da demanda.

3. Em razões recursais (fls. 215/223), sustenta que não nexo causal entre a ação e o dano alegado, dado que a causa exclusiva e determinando do envolvimento do autor com os fatos criminosos se dera em razão das acusações lançadas pelos demais presos em flagrante no mesmo local, que indiciaram o demandante como cúmplice do crime. Sustenta que não se poderia esperar conduta diversa por parte dos policiais, que encaminharam o autor à delegacia, lavraram o flagrante e o levaram ao presídio regional. Aduz que a prisão se mostrava possível à luz do artigo 302, inciso IV, do CPP, por se tratar de crime apenado com reclusão, sem possibilidade de fixação de fiança, tendo seu agir se dado no estrito cumprimento de um dever legal. Assevera, ainda, que, não reconhecida a culpa exclusiva do ESTADO, deve pelo menos ser admitida a concausa, de forma a mitigar sua punição, dada a conduta dolosa de terceiros. Pondera, ainda, que em tendo sido fixada verba indenizatória inferior à inicialmente pretendida, deve ser procedida à redistribuição da verba honorária, devendo, ainda, ser procedida à readequação da honorária à singeleza da causa. Propugna, ainda, pelo afastamento da sua condenação ao pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 11, parágrafo único, da Lei Estadual nº 8.121/85, e da Taxa Judiciária, conforme artigo 2º, inciso II, da Lei Estadual nº 8.960/89. Assim, pede seja dado provimento ao apelo para: (a) afastar sua responsabilização pelos fatos articulados na inicial; (b) mitigar a indenização fixada; (c) reduzir a verba honorária e afastar a cobrança das custas judiciais.

4. Em contrarrazões ao apelo do ente público (fls. 227/236), o demandante pede seja esse desprovido.

5. Subiram os autos (fl. 241), que, remetidos ao Ministério Público (fls. 242/249), opinou pelo parcial provimento do autor para incluir na condenação o montante de R$ 300,00, majorando-se, ademais, o valor fixado a título de danos morais para R$ 10.000,00, bem como desprover o apelo do ESTADO.

6. Retornou o feito, concluso para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes colegas:

7. Consoante exposto na inicial (fls. 02/07), o autor, que é estudante, no dia 21/05/2006, por volta das 02h00min, estava em um bar, no centro de Santa Maria/RS, quando alguns frequentadores do local foram interpelados por policiais da Brigada Militar, por suspeita de portarem objetos oriundos de furto. Após essas averiguações, os policiais se retiraram e dentro de alguns minutos retornaram e encontraram o demandante com amigos na frente do "Bar Macondo", pedindo-lhe que ficasse na frente da viatura.

Com isso, os faróis altos do veículo foram ligados e, ato contínuo, foi-lhe dada voz de prisão, sendo o demandante colocado no interior do veículo, conjuntamente com os três indivíduos que teriam arrombado a "Loja Brand Sports", situada a poucas quadras do local, e roubado pares de tênis, muito embora não houvesse qualquer indício suficientemente forte a associá-lo à prática delitiva. Na viatura, a caminho da delegacia, o demandante passou a ser pressionado a confessar a autoria do delito, bem como para que afirmasse que teria vendido as mercadorias aos demais.

Ditas ameaças teriam prosseguido na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento, onde foram colhidos depoimentos, sem que nada fosse efetivamente verificado em desfavor do demandante quanto ao crime de furto. Todavia, ainda assim, fora encaminhado para cela, conjuntamente com os demais acusados, sendo que, em seu interior, fora agredido fisicamente, levando à perda de suas lentes de contato, e extorquido no valor de R$ 6,00 que portava consigo.

Posteriormente, alertados os pais do autor, estes então buscaram o relaxamento da prisão, ensejando assim a concessão de liberdade provisória ao ora demandante.

Assim sendo, aduzindo a responsabilidade do ESTADO, em razão da injusta privação de sua liberdade, sem que restasse configurada qualquer das hipóteses do artigo 302, do CPP, bem como em virtude das agressões físicas sofridas, com sua exposição a condições subumanas de cárcere, ingressou com esta demanda, pedindo a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor sugerido de R$ 55.000,00, e danos materiais, na importância de R$ 1.075,00.

8. Processado o feito, adveio a sentença das fls. 184/186, que, reconhecendo a responsabilidade objetiva do ESTADO, com fulcro no artigo 37, §6º, da CF/88, condenou este ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, e indenização por danos materiais no montante de R$ 500,00.

9. Inconformados, ambos os litigantes recorreram: (a) o demandante, postulando (a.1) a majoração da indenização por danos morais e (a.2) o acolhimento do pedido de ressarcimento pelos gastos com a confecção de novas lentes de contato; (b) o réu, (b.1) a improcedência da demanda, em razão da ocorrência de fato de terceiro, ou pelo menos o reconhecimento de concausa desse, com a mitigação da culpa imputável à Administração Pública, e ainda (b.2) a redistribuição da verba honorária, bem como sua minoração, além do afastamento da ordem de pagamento de despesas processuais.

Examine-se.

I. Mérito

(a) Responsabilidade Civil

10. Pois bem, inicialmente, cumpre destacar que o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Abordando o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro elucida que "essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público." (Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo : Atlas, 1997. p. 412)

11. Para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. É o que se depreende da pertinente lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, págs. 560/562, Ed. Malheiros, 1994).

Estabelecidas as premissas para eventual imputação de responsabilidade civil do Estado, cabe a análise dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, quais sejam: (1) conduta do ente público; (2) danos; e (3) nexo de causalidade entre o ato e os danos suportados pela parte demandante.

12. Dito isso, como anteriormente exposto, a questão controvertida cinge-se à responsabilidade do ESTADO em razão da pretensamente arbitrária prisão em flagrante de MATEUS BAGETTI, na madrugada de 21/05/2006, bem como em virtude do sofrimento experimentado em razão do compartilhamento de cela com aqueles que o haviam acusado do crime, circunstância essa que ensejou inúmeras ameaças por parte destes, bem como em agressões físicas à sua pessoa.

13. E, no caso, tenho que restou incontroverso, através da prova documental e testemunhal produzida, que a prisão do requerente se dera de forma arbitrária, sem que se configurasse adequadamente qualquer das hipóteses do artigo 302, do CPP(1).

14. Com efeito, consoante se infere do Boletim de Ocorrência das fls. 13/19, na madrugada de 21/05/2006, houve um chamado para o atendimento a um furto qualificado, mediante destruição ou rompimento obstáculo, em uma loja de calçados na região central de Santa Maria/RS.

Em vista disso, em ronda nos arredores do "Bar Anacondo" [rectius: "Macondo"], policiais militares abordaram o autor, DIEGO, RICARDO e JONATHAN, sendo encontrados tênis novos em poder dos três últimos. Quanto ao requerente, contudo, embora nada fosse encontrado em seu poder, pendia acusação lançada pelos demais, no sentido de que este teria revendido ditos calçados àqueles, sendo esse o motivo principal de seu encaminhamento à Delegacia de Polícia e posterior lavratura de auto de prisão em flagrante. Isto, aliás, é o que se depreende também dos depoimentos prestados pelos policiais que conduziram, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante (fls. 38/49), que foi homologado pelo magistrado plantonista em breve despacho (fl. 50).

15. Ora, ocorre, entretanto, que a situação fática caracterizada de maneira alguma permitia a prisão em flagrante do requerente, dado que nada, até aquele momento, fazia presumi-lo como autor da infração.

A justificativa para o constrangimento ao status libertatis do demandante, ao que se infere, se dera com base em meras ilações lançadas por DIEGO DE SOUZA CORADINI, RICARDO CARDOZO PAHIM e JONATHAN CRISTINO PETERS, no sentido de que, em realidade, teriam adquirido os calçados do demandante, muito provavelmente com o intuito de assim escaparem às penas por furto qualificado, respondendo, eventualmente, pelo delito de receptação. Aliás, essa tese é reforçada pelo fato de que a prisão do demandante se dera em momento posterior a dos demais.

Com efeito, conforme testemunho de ERNESTO HENRIQUE THIEL CAMARGO, segurança do bar "Macondo" (fls. 164/166), explicou que a Brigada Militar havia passado pelo local em momento anterior, em busca dos responsáveis pelo delito. Posteriormente, os mesmos policiais retornaram ao local, pedindo que o requerente se postasse à frente da viatura, com as luzes acesas, momento no qual fora dada voz de prisão a MATEUS, que fora colocado na viatura conjuntamente com os outros três. Dita narrativa, aliás, em nada destoa daquela apresentada por BRUNO DEPRÁ MICHELLS, amigo do demandante, que o acompanhava naquela noite (fls. 163/164), bem como do relatado no Boletim de Ocorrência das fls. 11/12.

Por outro lado, tampouco há prova suficiente a indicar que o demandante, quando da sua revista na cela da Delegacia, teria atirado uma porção de maconha ao solo (fl. 13), encontrada durante revista na cela da delegacia. Noutro quadrante, tem-se que o fato do demandante ter permanecido em silêncio quando de sua inquirição na seara policial de maneira alguma poderia justificar seu constrangimento (fl. 47), visto que somente estava exercendo seu direito constitucional a permanecer calado.

17. Ora, como já observado anteriormente, a prisão do demandante se dera com base em mera suspeita, invocada por terceiros, circunstância essa que, todavia, não autorizaria o flagrante, que se dá somente em casos especialíssimos, devidamente previstos na legislação penal. No caso, como visto, sequer se poderia cogitar da ocorrência de flagrante presumido, dado que absolutamente nada fora encontrado com o requerente, a ponto de justificar qualquer imputação de associação para com a prática delitiva, nem mesmo os valores que este teria alegadamente recebido dos demais, em razão da venda da suposta venda das mercadorias.

Destarte, não tendo sido encontrado com o requerente qualquer elemento que pudesse relacioná-lo ao delito, ou mesmo presente prova hábil a associá-lo com a prática do mesmo, tem-se que a segregação se revelou inegavelmente arbitrária, por ausente o pressuposto do fumus commissi delicti no sentido de elementos incriminadores sobre a autoria.

18. Sob outro enfoque, tenho que as agressões sofridas pelo demandante, bem como as ameaças a ele dirigidas, também restaram demonstradas através do laudo de lesões corporais das fls. 87/91, que indica a existência na região molar esquerda, uma mancha violácea (equimose) e no ápice nasal, tênue aumento difuso de volume (edema), bem como epistaxe (hemorragia nasal) (fl. 88).

Nesse sentido, é de se notar que fora oferecida denúncia exclusivamente contra RICARDO, DIEGO e JONATHAN, como incursos nas sanções previstas no artigo 155, §4º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II, (tentativa de furto qualificado), 155, §4º, incisos I e IV (furto qualificado), e artigo 147 (ameaça), tudo na forma do artigo 69, do Código Penal, figurando o autor como mera vítima dos fatos delituosos (Processo nº 027/2.06.0008397-7, fls. 24/28). Dito processo, ao que se infere, já foi sentenciado, com acolhimento parcial dos pedidos postos pelo Ministério Público estando atualmente pendente de julgamento de apelo(2).

19. Nesses lindes, tenho por suficientemente demonstrado que (a) o constrangimento do autor se dera de maneira ilegal, sem que restassem devidamente configuradas quaisquer das hipóteses do artigo 302, do CPP, sendo inequívoca a responsabilidade do ESTADO quanto à dita causa de pedir; (b) afora isso, também restou comprovado que a Administração Pública falhou de maneira fragorosa no sentido de garantir a incolumidade do autor, em clara violação ao artigo 5º, inciso XLIX, da CF/88, que dispõe que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

20. Dito isso, não há que se cogitar de fato de terceiro, ou mesmo concausa a mitigar a responsabilidade do ente estatal, consubstanciado em eventual induzimento em erro pelos demais presos na mesma oportunidade, dado que cabia ao ESTADO, exclusivamente, averiguar a situação e decidir-se pela possibilidade ou não da prisão do autuado, tendo por parâmetro alguma das hipóteses do artigo 302, do CPP, que, como visto, não se faziam presentes. Assim sendo, não se fazendo verificando in casu os requisitos a autorizar o constrangimento do demandante em razão de flagrante, tem-se por inegável a arbitrariedade em sua prisão.

Aliás, em caso análogo, assim já se pronunciou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região: APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DE PRISÃO ARBITRÁRIA E ILEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PREJUÍZOS NA CARREIRA. FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (...) - Caracterizada a ilegalidade e arbitrariedade da prisão, bem como provado o tratamento aviltante e indigno à honra do apelado, assim como os evidentes prejuízos que sofreu na carreira militar, cabível a condenação à indenização. - Manutenção do valor fixado a título de indenização por se adequar à jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como às decisões deste Colegiado. - Manutenção do valor fixado a título de honorários advocatícios por se harmonizar com as decisões desta Turma. (TRF4, AC 2002.04.01.000629-9, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, DJ 05/11/2003).

No mesmo sentido, julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, respectivamente: (1) AÇÃO ORDINÁRIA - Responsabilidade civil e indenização por danos morais e materiais - Prisão preventiva cuja prova de crime não aponta o autor como agente do ato de que foi acusado - Responsabilidade objetiva do Estado - Perda da audição enquanto esteve preso decorrente de ato de policiais - Comprometimento da capacidade laborativa - Recursos da ré FESP não providos - Recurso do autor provido para reconhecer dano moral. (Apelação Com Revisão nº 8525235300, 3ª Câmara de Direito Público, Relator Magalhães Coelho, j.03/02/2009); (2) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. DANO MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS. INDENIZAÇÃO. O Autor foi preso, processado e, finalmente, absolvido das acusações que lhes foram feitas, tendo o julgador reconhecido na sentença penal que a prisão se deu de forma ilegal, ante a ausência do flagrante e a inexistência de autorização judicial, razão pela qual determinou a adoção de medidas cabíveis contra todos os policiais civis que participaram das diligências espúrias as quais o acusado foi submetido. É cabível a responsabilidade do Estado, com base no art. 37, §6º, da Constituição Federal, quando se tratar de danos causados por seus agentes, no exercício de sua atividade. A prisão ilegal do Autor causou-lhe danos material e moral que devem ser ressarcidos pelo Estado (...) (Apelação 2005.001.22503, Segunda Câmara Cível, Relatora: Des. Elisabete Filizzola, j. 03/11/2005); (3) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PRISÃO EM FLAGRANTE - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRIVAÇÃO DE LIBERDADE EFETIVADA FORA DOS REQUISITOS LEGAIS - INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO À LEI PENAL INCRIMINADORA - REPARAÇÃO DEVIDA - AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE LIBERDADE (ART. 5º DA CRFB). Configura constrangimento ILEGAL à pessoa e afronta à garantia constitucional de liberdade (art. 5°, caput, da CRFB) a prisão em flagrante realizada sem que o cidadão tenha efetivamente infringido a lei penal incriminadora. Portanto, deve o Poder Público compensar o dano moral advindo do ato praticado por seus agentes (Apelação Cível nº 2006.010084-1, Primeira Câmara de Direito Público, Relator: Des. Volnei Carlin, j. 08/06/2006).

Assim, reconhecida a ilicitude do agir do demandado, tanto o sendo que, ao fim e ao cabo, houvera o arquivamento do inquérito com relação ao demandante, cabe ao ESTADO ressarcir os prejuízos morais e materiais experimentados por este experimentados.

(b) Danos Morais

20. Quanto ao dano moral, tenho que este se revela ínsito ao próprio ilícito, revelando-se in re ipsa. Com efeito, é de todo presumível o sofrimento desnecessário a que foi submetido o requerente, que, sem justa causa, se viu encarcerado com pessoas que de maneira leviana lhe acusavam de furto, vindo então a sofrer inclusive lesões corporais.

Dito isso, passo à quantificação do dano.

21. A indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o dano impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto suficiente no causador do dano, a fim de dissuadi-lo de novo atentado.

Nesta linha, entendo que a condição econômica das partes, a repercussão do fato e a conduta do agente devem ser perquiridos para a justa dosimetria do valor indenizatório.

Na hipótese, o autor é estudante e litiga sob o amparo da Assistência Judiciária Gratuita. No mais, verifica-se que o demandante permaneceu indevidamente preso aproximadamente das 5h12min do dia 21/05/2006, momento da lavratura do auto de prisão (fl. 38), até pelo menos às 17h25min daquele mesmo dia, quando foi recebido o Alvará de Soltura (fl. 57), sendo que, nesse período, foi agredido pelos seus companheiros de cela, vindo a sofrer lesões corporais (fls. 88). Afora isso, verifica-se que o autor, que já fazia tratamento psicológico para tratamento de depressão, teve o seu quadro clínico agravado em razão dos fatos articulados na inicial (fl. 96).

O ESTADO réu, por seu turno, agiu com extrema desídia ao proceder à prisão imotivada de estudante, cerceando de maneira arbitrária a sua liberdade de locomoção e expondo a integridade física do mesmo em risco.

22. Ponderados tais critérios, dada a gravidade dos fatos narrados, tenho que o quantum indenizatório fixado pelo magistrado de primeiro grau (R$ 5.000,00) deve ser majorado, uma vez que o valor fixado em sentença. Assim sendo, ponderados os critérios acima delineados, majoro o quantum indenizatório para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil), quantia essa que entendo que cumpre com o caráter punitivo-pedagógico da condenação, inibindo a prática de conduta semelhante no futuro, pela parte demandada, e repara, de forma justa, o abalo experimentado pelo autor, sem propiciar o seu enriquecimento ilícito.

23. Quanto aos consectários, destaco que a correção monetária constitui mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento. Nesse sentido, a recente súmula n° 362, do STJ, que assim dispõe: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".

24. No que se refere aos juros moratórios, entendo cabível o início da contagem a partir do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização. Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

No tocante ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos à parte demandada, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação (REsp 618.940/MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302).

25. Desta feita, dou provimento ao apelo do requerente no ponto, para majorar a verba devida a título de danos morais, fixando-a em R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros moratórios de 12% ao ano, a contar deste acórdão.

(c) Danos Materiais

26. A parte requerente pede ainda seja acolhida, dentro da rubrica referente aos danos morais, o pedido de reembolso da quantia de R$ 300,00, relativa aos custos de confecção de novas lentes de contato, visto que as antigas pertencentes ao requerente teriam sido extraviadas quando das agressões sofridas dentro da cela de contenção da delegacia.

Todavia, tal como decidido na origem, verifica-se que nada há nos autos a demonstrar de maneira inequívoca que as lentes de contato do requerente teriam sido efetivamente extraviadas quando do incidente.

Com efeito, o Boletim de Ocorrência da fl. 58, por se tratar de documento unilateralmente produzido, é insuficiente a demonstrar a efetiva perda do objeto. De outro modo, a declaração da fl. 97 somente indica que o requerente tivera a necessidade de adaptação de novo par de lentes de contato rígidas, sem especificar, por exemplo, se tal se dera em razão da perda das anteriores ou de sua destruição.

Assim sendo, vai afastado o pedido do demandante neste aspecto.

(d) Ônus Sucumbenciais

27. A parte ré, em seu apelo, afirma que a verba honorária deveria ser redimensionada, em razão do acolhimento parcial do pedido indenizatório formulado na inicial, bem como minorada, em razão da simplicidade do trabalho, à luz do artigo 20, §4º, do CPC. Propugnou, ainda, pelo afastamento da sua condenação ao pagamento das custas processuais, visto que o feito tramitara em cartório estatizado, tudo nos termos do Ofício-Circular 595/07-CGJ e artigo 11, parágrafo único, da Lei Estadual nº 8.121/85, bem como da taxa judiciária, consoante previsão do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.960/89.

28. Pois bem, inicialmente, quanto à verba honorária, tem-se por pacificado na jurisprudência o entendimento de que, em se tratando de indenização por dano moral, a condenação da parte em valor inferior ao pleiteado na inicial não conduz ao reconhecimento da sucumbência recíproca. Nesse sentido, assim dita o verbete da Súmula nº. 326 do STJ: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca."

Sob outro viés, verifico que o percentual de 10% sobre o montante condenatório estabelecido na origem, arbitrado com fulcro no artigo 20, §4º, do CPC, de maneira equitativa, se revela adequado ao caso, não havendo motivo para sua redução, mormente se considerado o bom trabalho desenvolvido pelo patrono da parte autora, bem como o caráter desta demanda, cuja temática se distancia daquelas chamadas "ações de massas".

Portanto, em razão da sucumbência mínima da parte requerente, mantenho a verba honorária em 10% sobre o montante condenatório.

Dito isso, passo ao pedido de isenção das despesas processuais.

29. As custas processuais são definidas como as despesas relativas ao processo, consequentes do ato executado que se mostrou necessário ao cumprimento de sua finalidade. Outrossim, por princípio firmado universalmente, tem-se que há o dever do vencido de pagar as custas havidas no processo mesmo que estas tenham sido pagas pelo vencedor (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, versão mecânica, 15º ed. Editora Forense, 1999).

Ademais, de acordo com o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco "raros são os processos em que há isenção total dos encargos de sucumbência, de modo que não os pague o vencido, quem quer que ele seja".

Destarte, percebe-se que se deve interpretar de modo restrito os casos de isenção de custas processuais, uma vez que tais emolumentos são devidos na grande maioria das ocasiões.

30. Contudo, na lide em tela, incide o art. 11, § único, da Lei Estadual n.º 8.121/85, segundo o qual, in verbis: "O Estado não pagará emolumentos aos servidores que dele percebam vencimentos."

Neste sentido, a jurisprudência desta Corte: (1) (...) II - Tendo o feito tramitado em Cartório estatizado, no qual o serventuário perceba vencimentos do Estado, este está isento do pagamento. III ¿ É isento do pagamento da taxa judiciária o Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da Lei Estadual nº 8.960/89. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70028822674, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 25/03/2009); (2) (...) Tratando-se de Cartório Judicial estatizado, não são devidas custas processuais pelo Estado, nos termos do parágrafo único do art. 11 da lei 8.121/85. Apelos parcialmente providos. Unânime. (Apelação Cível Nº 70028430593, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 18/03/2009).

31. Neste passo, assiste razão ao apelante, devendo ser afastada a sua condenação ao pagamento de custas, uma vez que a 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Santa Maria/RS é cartório estatizado(3).

32. Igualmente, também não é devido o pagamento da taxa judiciária, por força do disposto no artigo 2º, da Lei Estadual nº 8.960/89. Aliás, assim já se pronunciou esta Corte: (1) (...) O Estado e suas autarquias são isentos quanto ao pagamento da taxa judiciária, à luz do art. 2º da Lei Estadual nº 8.960/89, por não figurarem no rol taxativo dos respectivos contribuintes. A isenção também decorre do art. 4º, XVI, da mesma Lei, em face da gratuidade judiciária deferida à parte autora, o que torna inexistente o pagamento de qualquer despesa pela parte autora a ser posteriormente ressarcida pela parte ré frente ao êxito do pedido inicial. APELAÇÃO PROVIDA POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação Cível Nº 70028974319, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 26/03/2009); (2) (...) III É isento do pagamento da taxa judiciária o Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da Lei Estadual nº 8.960/89. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70028822674, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 25/03/2009).

33. Destarte, é de ser dado parcial provimento ao apelo da requerida no ponto, de forma a isentar a Fazenda Pública do pagamento das custas processuais e Taxa Judiciária.

II. Dispositivo

34. Ante o exposto, voto por: (a) dar parcial provimento ao apelo do autor para tão-somente majorar o quantum devido a título de danos morais para R$ 35.000,00, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros moratórios de 12% ao ano, a contar deste acórdão; (b) dar parcial provimento ao apelo do réu para exclusivamente isentar o ESTADO do pagamento das custas processuais e Taxa Judiciária.

Dr. Léo Romi Pilau Júnior (REVISOR) - De acordo.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (PRESIDENTE) - De acordo.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI - Presidente - Apelação Cível nº 70028207629, Comarca de Santa Maria: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ELOISA HELENA HERNANDEZ DE HERNANDEZ



Notas:

1 - Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. [Voltar]

2 - http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca=santa_maria&num_processo=20600083977&code= [Voltar]

3 - Fonte: phttp://www.tjrs.jus.br/site_php/institu/dados_comarca.php?codigo=1392 [Voltar]




JURID - Responsabilidade civil. Prisão em flagrante. Arbitrariedade. [25/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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