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segunda-feira, 25 de maio de 2009

JURID - Paciente. Danos morais por erro. [20/05/09] - Jurisprudência


Paciente recebe danos morais por erro no tratamento da doença.


Processo nº 001.06.019683-2
Classe: Indenizatória / Ordinário (Área: Cível)

Sentença Proferida

Ementa: Responsabilidade civil. Processo civil. Contestação. Prazo em dobro. Litisconsórcio. Contagem. Disciplina legal. Citação de litisconsorte voluntário. Desnecessidade. Erro médico. Danos moral e material. Ocorrência. Dano estético. Ausência. Plano de saúde e hospital credenciado. Prestação de serviço defeituosa. Obrigação de fazer. Cirurgia reparadora. Procedência, em parte.

- A contagem em dobro do prazo da contestação, em face da existência de litisconsórcio, pode-se aplicar se a duplicidade de defesa, mediante juntada de procurações distintas, ocorre até o encerramento do trintídio.

- Na hipótese de litisconsórcio voluntário, cabe à parte escolher contra quem demandar.

- Em ocorrendo falha na prestação do serviço médico-hospitalar, que não consegue evitar grave infecção em apêndice, geradora de intensas dores e do afastamento temporário do seio familiar, social e do trabalho, surge o deve de indenizar pelos danos morais e materiais daí resultantes.

- Se a cirurgia reparadora afasta qualquer disfunção corporal ou cicatriz grave, falta elemento necessário à configuração do dano estético.

- Obriga-se o plano a autorizar o ato cirúrgico, na ausência de cláusula contratual que o exclua.

- Procedência parcial da pretensão indenizatória.

Rafael Marques Martins de Oliveira, devidamente qualificado, ajuizou, por seu advogado, AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER e pedido de tutela antecipada contra a Hapvida Assistência Médica Ltda. e Hospital Antônio Prudente de Natal Ltda., alegando, em síntese, que:

a) no dia 06 de março de 2005, foi submetido à cirurgia de "apendicectomia" (retirada do apêndice) no Hospital Antônio Prudente, tendo sido prescrito o antibiótico KEFAZOL, medicamento esse em desuso, pois sua substância básica, a cefazolina, apresentaria altos índices de resistência, conforme parecer do médico Inamar Torres, às fls. 24, §§ 23/24;

b) permaneceu internado, apenas, por um período de 24h, recebendo alta hospitalar no dia seguinte à cirurgia, mas o período de restabelecimento no hospital, segundo recomendações dos especialistas, é de aproximadamente quatro dias, fls. 25;

c) prescreveu-se ao paciente para uso domiciliar somente relaxante intestinal e antiinflamatório, não havendo continuidade do antibiótico ministrado no dia anterior, e, ainda, explicou que esse tipo de medicamento deve ter uma duração mínima de 8 (oito) dias, a fim de afastar o quadro infeccioso; além disso, a rotina médica indica a pacientes cirurgiados de apendicite, quando constatada a presença de pus, o uso de no mínimo três antibióticos, cumulativamente, fls. 25 e 26;

d) a suspensão do antibiótico e a antecipação da alta do paciente teriam agravado a situação da qual resultou um abscesso medindo 6 x 5,6 cm da parede abdominal, com a concentração de pus por baixo da sutura cirúrgica, permanecendo aberto por várias semanas, o que provocou o surgimento da hérnia, a qual o impossibilita de desempenhar as atividades normais, físicas e profissionais, consoante parecer médico conclusivo de fls. 32;

e) a ré negou a realização do ato cirúrgico, como forma de extirpar a hérnia, sob o argumento de que se tratava de procedimento estético, o qual não seria coberto pelo plano celebrado com o autor.

Por fim, requereu tutela antecipada para que os réus arquem com as despesas da cirurgia reparatória "herniorrafia incisional", com a colocação de "tela", a ser realizada no Hospital São Lucas, bem como a indenização por danos morais e estéticos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), e material no valor de R$ 1.101,06 (um mil, cento e um reais e seis centavos), mais a verba de sucumbência.

Juntou documentos de fls. 13 a 148.

Deferidas a tutela antecipada e a justiça gratuita às fls. 150 a 152.

Interpostos embargos de declaração pelo autor, fls. 154 e 156, este Juízo, por meio de decisão de fls. 157, prestou os devidos esclarecimentos.

Os litisconsortes passivos juntaram procuração e substabelecimentos de fls. 161 a 164, no dia 08.09.2006, bem como apresentaram pedido de reconsideração de fls. 166 a 172 e cópia do Agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo que interpuseram no Tribunal, fls. 173 a 184.

Em 28.09.2006, a Hapvida Assistência Médica Ltda ofereceu contestação de fls. 188 a 219, subscrita pela procuradora Delma Jacqueline de Araújo Dantas, aduzindo, em resumo:

a) a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento de caber ao plano de saúde, apenas, autorizar o procedimento cirúrgico, inexistindo culpa in eligendo ou in vigilando quanto ao possível erro médico em nosocômio credenciado;

b) no referente ao mérito, que não haveria sua responsabilidade pelo episódio em face da ausência de nexo causal entre a autorização do procedimento e a relação entre o médico, o hospital e o autor-paciente;

c) segundo pareceres médicos, não haveria a responsabilidade médica, já que não ocorreu negligência ou imperícia do profissional.

Por último, requereu o acolhimento da preliminar, a integração à lide do médico Francisco Figueiredo de Andrade, na condição de litisdenunciado, a improcedência in totum da pretensão autoral, a diminuição da verba indenizatória e a inversão dos ônus da sucumbência.

No dia seguinte, 29.09.2006, o Hospital Antônio Prudente de Natal Ltda., também ofereceu contestação, fls. 220 a 243, subscrita pela causídica Helena de Araújo Jales Costa, afirmando, em síntese:

a) a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento de que a parte legítima seria o médico Francisco Figueiredo de Andrade, que teria feito o atendimento do autor;

b) no concernente ao mérito, faltaria nexo causal, pois em nenhum momento interferiu na relação médico-paciente, e, por outro lado, à luz dos pareceres médicos, não existiria responsabilidade do profissional médico, devido à ausência de negligência, imperícia ou imprudência.

Por fim, requereu a acolhida da preliminar de ilegitimidade passiva, o chamamento ao processo do médico Francisco Figueiredo de Andrade, como litisconsorte passivo, a improcedência in totum da pretensão autoral, a redução da indenização e a inversão dos ônus da sucumbência.

O autor, fls. 397 e 398, informou o não cumprimento da tutela antecipada pela Hapvida Assistência Médica Ltda, ocasião em que solicitou a aplicação da astreinte.

Em réplica, fls. 402 a 408, o autor arguiu a intempestividade das contestações oferecidas, argumentando que não pode ser aplicado o art. 191 do CPC, no presente feito, uma vez que os litisconsortes possuem os mesmos procuradores, que tentaram ludibriar o Juízo ao fazer juntada de procuração por meio de fac-símile, e não de substabelecimento sem reservas de poderes, com intuito de configurar a pluralidade de procuradores. Além disso, sustentou a legitimidade passiva ad causam e a responsabilidade dos réus pelo ocorrido.

Para a efetividade da tutela deferida, bloquearam-se os valores pelo BACEN-JUD, liberados por alvará em favor do autor, fls. 413v a 418.

Na audiência preliminar, fls.476/477, frustrada a composição entre as partes, franqueou-se o prazo de 10 (dez) dias para juntada dos estatutos sociais dos réus. Ainda, houve apresentação de documentos por fato superveniente, motivo por que se deferiu prazo para que os réus falassem sobre estes, dando-se, também, oportunidade para juntada de substabelecimento pela advogada dos réus.

O autor acostou documentos, fls. 480 a 491, tendo os réus se manifestado, fls. 524 e 525.

Os estatutos sociais dos réus foram juntados, fls. 492 a 518, com manifestação subseqüente do autor às fls. 526 e 526v.

Houve despacho determinando a realização de perícia sob às expensas dos autores, mas estes optaram por não depositar os honorários periciais, o que inviabilizou o exame, fls.535/536.

É o relatório. Decido.

Cabe o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, última parte, do Código de Processo Civil, uma vez que se encontra no caderno processual material probatório suficiente ao livre convencimento do magistrado, bem assim pelo fato de as partes terem protestado pelo julgamento antecipado da lide, fls. 476 e 477, inclusive, optando os réus pela não realização da prova pericial, apesar da advertência sobre a inversão dos ônus probatórios, conforme se vê às fls.535.

Analisem-se as preliminares suscitadas.

No relativo à intempestividade das contestações, formulada pelo autor, importa dizer que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 792741/RS, REsp 19288/MG e AgRg no Ag 957830/MG) está consolidada no sentido de que se os litisconsortes passam a ter procuradores distintos no curso do processo, a partir daí surge o direito ao prazo em dobro, sendo o momento processual para incidência do art. 191 do CPC o de quando demonstrada a existência de litisconsórcio com diferentes procuradores, até porque não cabe ao julgador fazer ilações a respeito de dados que desconhece.

Ou seja, existindo dois procuradores, o prazo para os réus apresentarem resposta é contado em dobro, se a procuração do novo mandatário estiver nos autos dentro no lapso de trinta dias determinado na lei (art. 297 c/c 191, ambos do CPC) para o oferecimento da contestação. Entendimento contrário subverte o sistema de prazos processuais.

Ademais, está firmado, igualmente, no STJ (REsp 4.133-RO, RSTJ 14/421; EREsp 77.961-SP, AgRg no EREsp 36.319-GO e EDcl no REsp 222.215-PR) que a outorga de novo mandato a outro causídico, sem qualquer ressalva de poderes, revoga, tacitamente, o anteriormente celebrado, sem depender de substabelecimento.

Desse modo, a procuração outorgada pelo hospital alhures citado, sem reservas de poderes, que fora juntada aos autos às fls. 244 e 394, antes de encerrado o prazo de 30 dias para a defesa, confere plenos poderes à advogada Helena de Araújo Jales Costa, OAB/RN n. 5.389, revogando, assim, de forma tácita, os outorgados anteriormente a outro patrocinador. Logo, aquela causídica estava habilitada ao oferecimento da contestação de fls.220 a 243.

Enfim, tendo sido apresentadas as contestações de fls. 188 a 219; 220 a 243, mediante procuradores diversos, respectivamente, no vigésimo oitavo e vigésimo nono dia do prazo de trinta dias para defesa, este contado da juntada do mandado de citação, 31.08.2006, fls. 159v, desmerece prosperar o argumento de intempestividade das contestações.

Em relação à tese litisconsorcial de ilegitimidade passiva ad causam, que atribui ao médico Francisco Figueiredo de Andrade tal legitimidade, também não merece reconhecimento.

É que o STJ no REsp 164.084-SP, 4ª Turma, em voto da relatoria do Ministro Aldir Passarinho, já decidiu que "A prestadora de serviços de plano de saúde é responsável, concorrentemente, pela qualidade do atendimento oferecido ao contratante nos hospitais e por médicos por ela credenciados, aos quais aquele teve de obrigatoriamente se socorrer sob pena de não fruir da cobertura respectiva". Ainda, no REsp 138.059-MG, relatado pelo Ministro Ari Pargendler, ficou assentado que "Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica é responsável pelos serviços que estes prestam".

Nessa esteira, resta evidente a solidariedade entre o plano de saúde, o hospital e o médico credenciado, e, em tal hipótese, cabe ao autor a opção de ajuizar a demanda contra um ou todos os responsáveis solidários. O que fez o autor? Resolveu demandar, apenas, contra o plano de saúde e o hospital, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico, deixando de fora o médico que atendeu ao autor. Por isso, não se deve impor a presença do último responsável solidário no pólo passivo da demanda em foco.

Portanto, é infundado o reclamo da denunciação à lide do médico Francisco Figueiredo de Andrade.

Acrescente-se, por fim, que a condição deste jamais seria de litisdenunciado, pois não assumiu, nem por lei nem por contrato, os prejuízos que porventura causasse aos réus, senão que de responsável solidário, conforme ficou antes dito. Em consequência, no caso de condenação dos réus, faculta-se-lhes o direito de regresso contra o profissional médico ( vide precedentes do STJ: REsp 138.059-MG, REsp 164.084-SP e REsp 328.309-RJ).

No mérito, vale dizer que dano é perda, prejuízo do patrimônio material ou imaterial do indivíduo. Há, sem dúvida, nítida diferença entre ambos. No primeiro, atinge-se a integridade material do sujeito, vale dizer, os bens da vida suscetíveis de avaliação econômica. No segundo, ao revés, violam-se bens imateriais, que compõem o patrimônio ideal da pessoa, como, p. ex., a honra, a dignidade, a respeitabilidade, a reputação social etc., que, é óbvio, não têm em si uma medição monetária.

RODOLFO VALENÇA HERNANDES esclarece a distinção, ao lecionar que "O dano moral é intrínseco, está voltado para dentro, afeta os sentimentos, mancera a alma, penetra os domínios da emoção, incorpora-se ao psiquismo, integra a essência do ser: constitui o acervo da consciência" (Lex 152/180).

A Carta Magna, no art.5º, inciso X, fez tábua rasa da então famigerada polêmica sobre se permitia a ordem jurídica pátria a indenização pelo dano moral sem repercussão material. Ou seja: à atualidade, por força de mandamento constitucional, obtém-se ressarcimento com esteio no dano moral puro. O novo Código Civil faz expressa previsão no art.186.

A respeito, encontram-se inúmeros arestos, inclusive do Supremo Tribunal Federal (RTJ 115/1383, 108/912; RT 641//182, 601/88, 618/699, 650/63) e do Superior Tribunal de Justiça, o qual consolidou a matéria na Súmula 37: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

Em relação ao dano estético, tem-se como sendo uma alteração morfológica de formação corporal que agride a visão e causa repulsa. A jurisprudência do STJ identifica-o como uma terceira espécie, distinta dos danos morais ou materiais (REsp 65.393-RJ).

Noutra banda, registre-se que trata a presente de lide de relação de consumo. De um lado, tem-se um conglomerado econômico formado por uma empresa de plano de saúde e uma outra que presta serviços médico-hospitalares (CDC, art. 3º). Do outro, um consumidor, a parte vulnerável (CDC, art. 2º).

No campo da responsabilidade civil, à luz da teoria do risco do empreendimento, o legislador, como regra, optou pela objetivação. Destarte, a responsabilidade médica empresarial, no caso dos planos de saúde (seguro de saúde) e hospitais próprios ou credenciados que prestem serviços defeituosos, é objetiva, apontando-se o art.14 do Código de Defesa do Consumidor como a norma sustentadora de tal entendimento.

Desta feita, ocorrida a prestação de serviço defeituoso, acompanhada do evento danoso e do nexo de causalidade, estão presentes os elementos essenciais à configuração da responsabilidade civil objetivada, dispensando-se a investigação do elemento subjetivo.

Noutro prisma, sob o enfoque no art. 14, § 3º, inciso I e II, do CDC, vigora na apuração da responsabilidade dos fornecedores de serviços a regra da inversão ope legis do onus probandi; logo, estes somente não serão responsabilizados quando provarem que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou há culpa exclusiva do consumidor.

Aqui, afigura-se defeituoso o serviço médico-hospitalar prestado pelos réus.

De antemão, convém afirmar que, no caso em apreço, não se busca a responsabilidade direta do profissional médico, já que em face da responsabilidade solidária o autor escolheu deixá-lo fora da demanda. Todavia, nada impede, aliás, tudo aconselha, que se investigue a sua eventual conduta negligente ou imperita para motivar a condenação dos outros responsáveis solidários, porquanto se configura uma espécie de relação de preposição.

Numa palavra, e agora se entre no caso concreto, existindo prestação de serviço defeituosa pelos réus ou seus prepostos, todos integrantes do mesmo grupo econômico, e demonstrados os danos e a configuração do nexo causal, está materializada a responsabilidade consumerista.

In casu, verifica-se que coube ao plano de saúde autorizar o procedimento cirúrgico de retirada do apêndice (apendicectomia) do autor, a ser realizado por médico credenciado ao hospital pertencente ao grupo econômico daquele.

O tratamento inadequado recebido pelo autor-paciente, segundo as suas alegações, envolveria: a) a prescrição de medicamento em desuso (o antibiótico KEFAZOL); b) a falta de continuação do uso de antibiótico; c) o curto período de internação.

À espécie, este Juiz prolatou o despacho de fls.535, em que identificou a necessidade da colheita da prova pericial, já que a discussão envolve matéria de ordem médica sobre a qual divergem as partes. No mesmo ato, determinou aos réus que a custeassem, porque o autor estava sob o pálio da Justiça Gratuita, e fez a advertência àqueles de que a ausência do depósito dos honorários do perito implicar-lhes-ia prejuízo por eventual deficiência probatória. Os demandados mantiveram-se silenciosos, apesar de intimados.

Com efeito, impõe-se reconhecer a inversão dos ônus probatórios, nos termos do art.6, VIII, do CDC, uma vez que se acham presentes a verossimilhança das alegações do autor e a sua condição de hipossuficiente.

De fato, o contexto probatório trazido aos autos pelo autor aponta, no parecer do especialista de fls.20 a 32, que a medicação que lhe foi ministrada, o antibiótico "kefazol", além de estar em desuso nas unidades hospitalares, desatendeu ao tempo mínimo de uso exigido à ocasião, que seria de aproximadamente 08 dias, ao passo que a orientação feita pelo médico foi de utilizá-lo por, apenas, 24h.

Também, o tempo de internação do autor no hospital-réu, por somente 24h, para o procedimento cirúrgico da apendicite, afigurou-se curtíssimo, já que o aconselhável pela ciência médica seria por volta de quatro dias, como forma de controlar ou conter alguma infecção. Aliás, o risco de esta ter atingido o paciente-autor era muito alto, pois havia exame "histopatológico", atestando a existência de pus no apêndice dele, sinal claro e indicativo da possibilidade de atrair um quadro infeccioso.

Além disso, em confirmação da deficiência na prestação do serviço médico prestado pelos réus, importa destacar que o autor, no dia seguinte à alta médica, retornou ao hospital-réu, apresentando soluços fortes, vômitos, dor, febre e vermelhidão no local da cirurgia. Nada obstante, prescreveu-se-lhe um litro de soro e depois deu-se-lhe alta médica. Dois dias após, volta ao hospital-réu com os mesmos sintomas. Realizada a ultra-sonografia, constatou-se novo abscesso na incisão cirúrgica, motivando outra cirurgia para drená-lo, e daí surgiu a hérnia, cujo ato cirúrgico os réus negaram-se a autorizar.

Vale, outrossim, ressaltar que se o médico tinha pleno conhecimento de que 18% dos pacientes operados de apendicite são atingidos por infecção, que se manifesta três ou quatro dias após o ato cirúrgico, era razoável, como forma de preservar a integridade físico-psíquica do autor, ter se pautado pela conduta normal de qualquer profissional da área médica, tomando as medidas necessárias para que o paciente-autor ficasse fora do percentual de risco. Dessa maneira, indaga-se: como um profissional médico, ciente desse potencial risco, confere alta ao paciente 24h após a intervenção cirúrgica? Seria, na verdade, uma exigência do hospital ou do plano de saúde? Ante o risco referido, a conduta mais cautelosa e diligente não seria estender o uso do antibiótico por prazo superior a 24h e aplicar outras medidas preventivas da infecção, até porque o médico teve acesso ao diagnóstico do exame histopatológico, que acusava a presença de pus no apêndice do autor, ou seja, que havia um processo infeccioso em desenvolvimento?

Destarte, o quadro clínico acima delineado demonstra que todo o sofrimento físico e emocional do autor poderia ter sido evitado, minorado ou abreviado se os réus, por seus prepostos, não tivessem agido com imperícia ou negligência, e, de pronto, houvessem destinado o tratamento médico adequado ou ministrado a medicação mais eficiente a debelar a infecção desencadeada.

É certo que os médicos têm obrigação de meio, e não de resultado. Isto é, estão obrigados a envidar todos os esforços possíveis para alcançar a cura do doente, utilizando-se do aparato técnico e científico posto à sua disposição, mas não se lhes exige a cura do paciente, pois se o fizesse estar-se-ia atribuindo a eles uma condição sobrehumana. Aqui, infelizmente, os réus não se desincumbiram da primeira obrigação.

Acrescente-se que os réus tiveram a chance de desfazer as deduções antes mencionadas, por meio da perícia judicial, que afastava as dúvidas ao responder a todos os questionamentos acima levantados. Todavia, repita-se, optaram, estranhamente, por desconsiderar essa possibilidade. Logo, outra saída não resta senão acolher a versão do autor, baseada no parecer médico que acompanha a inicial.

Quanto à hipossuficiência do autor, seja no plano técnico, seja no econômico, nenhuma dúvida há a respeito, em especial quando se observa tratar-se de relação consumerista, de sorte a dispensar que sejam feitas considerações.

Sobre tal inversão, a jurisprudência perfilha o entendimento supracitado. Veja-se:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO COMO AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ERRO MÉDICO. Correta a decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. Constituindo-se uma relação de consumo, é cabível a aplicação o art. 6º, VIII, do CDC, invertendo-se o ônus da prova. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (TJRS, Agravo Regimental nº 70028699676, 5ª Câmara Cível, Relator: Gelson Rolim Stocker, j. 11.03.2009, DJ 18.03.2009).

Assim, é de se assegurar que as falhas na prestação do serviço médico atribuídas aos réus e prepostos causaram abalo físico e emocional no autor, pois foi obrigado a sucessivas internações hospitalares, a submeter-se a várias cirurgias e ingestão medicamentosa geradora de efeitos colaterais, mantendo-o afastado do trabalho e da convivência normal no âmbito familiar e social, o que representa sofrimento caracterizador do dano moral.

Por outro lado, as cirurgias realizadas foram necessárias à sobrevivência do autor, e, ainda, não se efetuaram com desobediência às técnicas médicas exigidas. Logo, a simples cicatriz cirúrgica nele encontrada não justifica a verba indenizatória estética, dado que fora concretizada de acordo com os padrões científicos pertinentes. Ao contrário, se tivesse resultado de negligência ou imperícia, aí sim, poderia motivar a modalidade de ressarcimento almejada pelo demandante.

De mais a mais, conforme este admite na inicial, a realização da "herniografia incisional", ocorrida, saliente-se, por força da liminar, teve natureza reparadora, bastante para fazer com que o demandante retornasse às atividades laborativas e normais, sem a marca da redução funcional ou imperfeição de algum órgão ou membro.

No pertinente ao quantum do ressarcimento do dano moral, o valor fixado, longe de motivar enriquecimento sem causa em favor do ofendido, serve, também, de desestímulo a novas investidas do agressor, além de mostrar à comunidade que o ato danoso não ficou impune. Não se olvidando, nessa linha, a intensidade da culpa e as condições econômicas das partes.

É o parâmetro equilibrado sugerido pelo saudoso Juiz CARLOS ALBERTO BITAR, ao dizer que "A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo" (Apud, Antônio Jeová Santos. Dano Moral Indenizável. São Paulo: Lejus, 1997, p.59).

Os órgãos ad quem trilham por esse caminho:

"Ao magistrado compete estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os critérios da prudência e do bom senso e levando em estima que o quantum arbitrado representa um valor simbólico que tem por escopo não o pagamento do ultraje - a honra não tem preço - mas a compensação moral, a reparação satisfativa devida pelo ofensor ao ofendido". (TJPR, Rel. Des. Oto Luiz Sponolz, RP 66/206).

Com efeito, o autor não usufrui razoável condição financeira, estava, inclusive, desempregado, quando do ajuizamento da inicial, o que impõe temperança para que o valor fixado não implique enriquecimento ilícito. Inexistiu repercussão profunda ou permanente, pois o demandante, após a cirurgia reparadora, logo voltou a ter uma vida normal, tanto nas relações familiares, quanto nas sociais e laborativas. O autor não contribuiu para o fato danoso, ocorrido em virtude da prestação de serviço defeituosa, apenas. Por sua vez, os demandados possuem notória solidez econômica. Não atuaram com má-fé (fls. 494 a 518), mas culposamente, em grau médio.

Os danos materiais invocados, concernentes a despesas com remédios e materiais médicos vinculados ao tratamento da infecção, excluindo-se, desde já, outros gastos que não estejam diretamente vinculados ao tratamento médico, a exemplo de desembolso com gasolina ou combustível, devem ser reconhecidos como efetivados, no importe máximo de R$ 1.101,06. Porém, a sua quantificação exata será diferida para a fase de liquidação por artigos, na qual o autor apresentará provas robustas das despesas arcadas com parte do tratamento a que se negou autorizar o plano de saúde, pois os autos não são capazes de apontar, com segurança, essa totalização.

Em relação à obrigação de fazer, verifica-se que o autor tem direito à cirurgia reparadora "herniorrafia incisional", com a colocação de tela, já que se reconhece a responsabilidade dos réus por falhas na prestação do serviço, as quais conduziram a esse procedimento médico. Ainda, o contrato de plano de saúde, celebrado entre as partes, não a exclui do rol dos atos médicos conferidos aos beneficiários.

Pelo exposto, afasto as preliminares suscitadas, julgo procedente, em parte, a pretensão autoral e condeno os réus, levando em consideração o efeito dissuasório da indenização, as condições econômicas das partes, a gravidade da lesão e a repercussão do dano, a pagar indenização por danos morais no importe de R$ 15.000,00, a incidir correção monetária pelo INPC, a partir da prolação da sentença, e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, bem como a ressarcir os danos materiais, cujo valor será apurado em liquidação por artigos, mas julgo improcedente o pedido dos danos estéticos.

Também, julgo procedente o pleito da obrigação de fazer, já deferida na tutela de fls. 150 a 152, que confirmo.

Em face da sucumbência recíproca, as custas processuais e os honorários advocatícios, que fixo em 20% da soma das condenações, em razão da complexidade da demanda, do zelo e do tempo a ela dispendido pelos causídicos, serão repartidos na proporção de 80% a cargo dos réus e o restante sob a responsabilidade do autor, cabendo a compensação.

Ficam intimados os réus para, no prazo de 15 dias, a contar, respectivamente, do trânsito em julgado do valor líquido e da liquidação da quantia ilíquida, cumprirem a sentença mediante os pagamentos das quantias nela determinadas, sob pena de, não o fazendo, terem de arcar com a multa de 10%, calculada sobre as condenações, nos termos do art.475-J do CPC.

P.R.I.

Natal, 04 de maio de 2009.

Fábio Antônio Correia Filgueira
Juiz de Direito



JURID - Paciente. Danos morais por erro. [20/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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