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terça-feira, 12 de maio de 2009

JURID - Juízo de admissibilidade positivo. Não conhecimento. [12/05/09] - Jurisprudência


Juízo de admissibilidade positivo. Não conhecimento de agravo retido. Interesse de agir. Incólume.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.002462-9

Julgamento: 05/05/2009

Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível

Classe: Apelação Cível

Apelação Cível n° 2009.002462-9.

Origem: 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procurador: Antenor Roberto Soares de Medeiros.

Apelada: Cleonice da Silva Bezerra.

Advogado: Rocco José Rosso Gomes.

Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro.

CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE POSITIVO. NÃO CONHECIMENTO DE AGRAVO RETIDO. INTERESSE DE AGIR. INCÓLUME. DESNECESSIDADE DE CHAMAMENTO AO PROCESSO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECORRIDA PORTADORA DE GRAVE ENFERMIDADE. NECESSIDADE DE FÁRMACO. ALTO CUSTO. NÃO PREVISÃO EM LISTA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PROTEÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. INCIDÊNCIA DA LEI FEDERAL N. 8.080/90. RESPONSABILIDADE DO APELANTE RECONHECIDA. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO PLENÁRIO DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, consonante com o Ministério Público, não conhecer do agravo retido, mas conhecer do recurso de apelação e, sucessivamente, negar provimento, nos termos do voto do relator, parte integrante deste acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença prolatada pela M.M. Juíza de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública desta Comarca, que julgou procedente o pedido formulado à exordial, para condenar o recorrente a fornecer à recorrida o medicamento FORTÉO, enquanto durar a prescrição médica, devendo a autora ser reavaliada de seis em seis meses, para avaliar a necessidade de continuação de tratamento, com a medicação acima referida.

Por fim, condenou o réu no pagamento das verbas sucumbenciais e honorários advocatícios, não razão de 10% sobre o valor atribuído à causa.

Em suas razões aduziu, em síntese, que desde 23.10.07 a recorrida vem recebendo o medicamento pleiteado, o que repercutiria na ausência superveniente de interesse de agir, devendo ser extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termo dos art. 267, VI, do CPC.

A parte recorrida não apresentou contrarrazões.

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo, mediante razões de fls. 181/185.

Autos conclusos aos 15.04.09.

É o relatório.

VOTO

DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

Antes de adentrar no mérito da questão ora tratada, necessário se faz mencionar, por oportuno, o juízo de admissibilidade positivo referente aos pressupostos intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer) do recurso voluntário.

No tocante ao agravo retido apensado nos autos, deixo de conheçê-lo, porquanto o recorrente não o tratou em sede preliminar de sua insurgência.

Não se aplica o instituto da remessa necessária, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC.

MÉRITO

Em atenção ao viés puramente processual, registro que o sucumbente se insurgiu em discutir questão exarada na sentença hostilizada, notadamente acerca do fornecimento de fármaco, o que restringe este relator a apreciar a matéria efetivamente impugnada (tantum devolutum quantum appellatum), por recomendação da devolutividade em extensão, salvo aquelas que devem ser analisadas de ofício, por se revestirem de caráter de ordem pública, bem como as oriundas da devolutividade em profundidade do recurso interposto, nos termos do art. 515, §§ 1º e 2º, do ordenamento processual civil, notadamente em relação aos fundamentos do pedido formulado.

Compulsando os autos, verifico que a recorrida é portadora de patologia denominada por osteoporose de grau acentuado (fl. 16), necessitando do medicamento conhecido como "Fortéo", haja vista ser o único e de melhor eficácia ao tratamento da doença mencionada (fl. 154).

O interesse de agir (necessidade, utilidade e adequação) da recorrida, tal qual qualificado como pressuposto da condição da ação, permanece incólume, haja vista que a condenação fixada na decisão interlocutória e mantida na sentença, consiste em uma obrigação de entregar coisa certa, vale dizer, execução de trato sucessivo ou continuado, permanente enquanto perdurar a necessidade do aludido fármaco.

De outra feita, o Sistema Único de Saúde (SUS) é co-administrado pela União, Estados e Municípios, sendo a responsabilidade pela gestão caracterizada pela solidariedade, reconhecendo-se, portanto, a legitimidade de qualquer um deles, segundo entendimento do STJ(1).

Assim, o necessitado de medicamento pode pleitear a qualquer ente federativo, sem a necessidade de chamamento ao processo, conforme, aliás, orientação desta Corte:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, PARA DETERMINAR AO AGRAVANTE QUE FORNECESSE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO INDISPENSÁVEL À SAÚDE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO, AMBAS SUSCITADAS PELO AGRAVANTE. DESNECESSIDADE DE INCLUSÃO DA UNIÃO E DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. REJEIÇÃO. MÉRITO. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA FUNDAMENTAL ASSEGURADA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAL E ESTADUAL. CONSTATAÇÃO DO PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL À SAÚDE DA AGRAVADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO." (AI 2007.005731-6, 2ª Câmara, Rel. Des. Claudio Santos, j. 13.11.07)

O Constitucionalismo contemporâneo tem se caracterizado com uma ideologia, técnica ou teoria destinada a limitar o poder e fazer prevalecer os direitos e garantias fundamentais, com base na efetivação das denominadas normas programáticas, de conteúdo genuinamente social, passando a buscar os traços de uma Constituição dirigente.

Dessa forma, o dirigismo comunitário, sem descurar do constitucionalismo globalizado, tem em mente a aspiração de implementação dos direitos de segunda (direitos econômicos e sociais) e de terceira (direito à solidariedade e fraternidade) dimensões.

Com efeito, trata-se de implementar o Estado Democrático de Direito pretendido pelo constituinte de 1988, explicitado já no preâmbulo da Constituição Federal.

O direito à saúde, insofismavelmente, revestido de contorno social, apresenta-se emoldurado pelo princípio-matriz dos direitos fundamentais, qual seja, a dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, III, da Lex Fundamentallis.

No mesmo diapasão, não olvido de realçar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, notadamente de constituir uma sociedade livre, justa e solidária; de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais; e de promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (art. 3º, I, III e IV).

A previsão de proteção à saúde se encontra insculpida nos arts. 6º, 23, II, 196 e 230 da CF, respectivamente:

"São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;"

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."

Devo acrescentar que o Estado tem o dever de prover as condições do pleno exercício ao direito à saúde, conforme arts. 2º e 3º, da Lei Federal n. 8.080/90.

O aludido diploma legal prever, outrossim, os objetivos do SUS, senão vejamos:

"Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas."

Devem ser respeitados os princípios e diretrizes da universalidade e integralidade da assistência, inseridos no art. 7º, I e II, da mencionada Lei.

É verdade que no processo em curso, estão em conflito dois interesses protegidos constitucionalmente: o da liberdade de ação da Administração, segundo critérios técnicos, dados os reflexos no conjunto social, e o direito à saúde, pressupostos da liberdade e da igualdade(2).

Entrementes, a lúcida doutrina estatui que, em casos tais, deve-se lançar mão da técnica de ponderação de princípios constitucionais, privilegiando um valor albergado constitucionalmente em detrimento de outro sem, todavia, fustigá-lo.

Recordo que o art. 196 da CF dá ênfase ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços da saúde a todos os membros da sociedade.

Na dicção de Manoel Gonçalves Ferreira Filho(3):

"O direito à proteção à saúde, na verdade, é o direito individual à preservação da doença, a seu tratamento e à recuperação do doente. Traduz-se no acesso aos serviços e ações destinados à recuperação do doente ou enfermo.".

Consta do caderno processual que, efetivamente, a recorrida necessita do medicamento conhecido como "Fortéo", ante a verificação da documentação médica juntada, ressaltando a sua carência de condições econômicas para custeá-lo.

O Estado do Rio Grande do Norte, por seu turno, tem a obrigação de incluir, em seu orçamento, recursos necessários para a saúde, inclusive para tratamento de pessoas sem condições financeiras para custeá-la, em relação a casos que demandam atendimentos urgentes, não podendo se alegar, por conseguinte, a reserva do possível.

Devo colacionar o que estatui o art. 36, § 2º, da Lei 8.080/90, in verbis:

"O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União.

É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde."

Desta feita, ainda que o medicamento relacionado não esteja arrolado na Portaria do Ministério da Saúde, o recorrente tem responsabilidade pela disponibilização do fármaco.

A propósito, o apelante não diligenciou nos autos acerca das provas inerentes da viabilidade de substituição dos medicamentos por outro de igual efeito.

Não há ferimento às disposições orçamentárias que vinculam o ente público aos arts. 37, 165, 167 e 169, da CF, nem qualquer limitação do Poder Executivo pelo Poder Judiciário que fosse vedada pelo art. 2º, em relação ao fornecimento em tela. Ao contrário, não se pode afastar o dever de atendimento ao art. 5º, XXXV, da CF, precípuo do órgão julgador, que tem obrigação inafastável de prestar a jurisdição, tudo previsto constitucionalmente, cumprindo amoldar todas as disposições.

Na verdade, o exame de determinados atos públicos pelo Poder Judiciário, seguido de ordem compatível, não malfere o princípio constitucional da separação dos poderes. Consoante dicção de PEKELIS(4):

"Uma atividade legislativa ou administrativa eficaz de modo algum é incompatível com o controle judiciário da própria atividade, [...] antes a coexistência equilibrada de tal atividade e de seu controle representa a essência mesma do regime constitucional.".

Não será demasiado salientar que o Plenário desta Corte tem posicionamento consolidado acerca do tema, senão vejamos:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA QUE OBJETIVA O RECONHECIMENTO DO DIREITO DO IMPETRANTE AO RECEBIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO NÃO INCLUSO NA LISTA DO PROGRAMA DE MEDICAMENTOS DE DISPENSAÇÃO EM CARÁTER EXCEPCIONAL - PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO SUSCITADA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - CHAMAMENTO DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO PARA INTEGRAREM A LIDE, COM A CONSEQÜENTE REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL - QUESTÃO JÁ DECIDIDA EM SEDE DE LIMINAR - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - LEGITIMIDADE DE QUALQUER DOS ENTES FEDERATIVOS PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO MANDAMENTAL - REJEIÇÃO - PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA LEVANTADA PELO ENTE ESTATAL - DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA OFICIAL PARA CONFERIR A PLAUSIBILIDADE DO ATESTADO MÉDICO - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - IMPETRANTE ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE - COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE ADQUIRIR O MEDICAMENTO E DA NECESSIDADE DO SEU USO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE ASSEGURADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO - PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E DESTA EGRÉGIA CORTE - SEGURANÇA CONCEDIDA." (MS 2008.000494-7, Rel. Des. Cristóvam Praxedes, j. 04.06.08)

Razoável, outrossim, foi a condenação em custas processuais e honorários advocatícios, na razão de 10% sobre o valor da causa.

Para efeito de prequestionamento, considero que o presente Voto e Acórdão não violam os dispositivos mencionados pelo Apelante em sua petição recursal e relatados supra.

À luz do exposto, não conheço do agravo retido, mas conheço do apelo e, sucessivamente, nego provimento, mantendo incólume a sentença hostilizada nos seus termos e fundamentos.

É como voto.

Natal, 05 de maio de 2009.

Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Presidente/Relator

Doutora GERALDA FRANCINY PEREIRA CALDAS
10ª Procuradora de Justiça



Notas:

1 - Resp 719716/SC, Min. Relator Castro Meira, DJ 05/09/2005. [Voltar]

2 - "Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito da igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª Edição Rev. e Ampl., São Paulo, Editora Malheiros, 1998, Pág. 289).". [Voltar]

3 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, 1995, Vol. 4, Pág. 54. [Voltar]

4 - PEKELIS, Alessandro apud CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores, Porto Alegre, Editora Fabris, 1999, Pág. 53. [Voltar]




JURID - Juízo de admissibilidade positivo. Não conhecimento. [12/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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