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quarta-feira, 27 de maio de 2009

JURID - Detran é condenado por cancelar CNH. [27/05/09] - Jurisprudência


Detran é condenado por cancelar carteira de motorista absolvido em processo.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.030406-6
Vara: 112 - SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Processo: 2008.01.1.030406-6
Ação: INDENIZAÇÃO
Requerente: CARLOS AUGUSTO VIANA SILVA
Requerido: DETRAN DF DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO DISTRITO FEDERAL

Sentença

Vistos etc.

CARLOS AUGUSTO VIANA SILVA ajuíza ação de ação de conhecimento, submetida ao rito ordinário em desfavor do DETRAN-DF-DEPATAMENTO DE TRÂNSITO DO DISTRITO FEDERAL. Aduz que em razão de envolvimento em acidente de trânsito em 17/07/1999 a parte ré bloqueou sua Carteira Nacional de Habilitação indevidamente, em 18/11/2003.

Relata que o referido acidente foi objeto de sentença transitada em julgado, em 25/09/2001, em que figurou como infrator o proprietário do outro veículo. Acrescenta que, mesmo ciente de tal decisão e de que a parte autora era vítima no acidente, o réu promoveu procedimento administrativo que resultou no bloqueio de sua CNH.

Assevera que a parte ré reconheceu o erro somente em 02/04/2007 e que, apesar do reconhecimento do erro administrativo, recebeu correspondência, em 23/04/2007, imputando-lhe a prática de homicídio culposo na condução de veículo automotor e determinando que freqüentasse o curso de reciclagem.

Pede que o réu seja condenado a pagar R$ 180,00, a título de indenização por danos materiais, e R$ 20.000,00, pelos danos morais.

Junta documentos (fls. 11/56).

Deferida a gratuidade de justiça (fl.58)

Contestação às fls. 63/68. Sustenta que a abertura de procedimento administrativo independe da posição do condutor, se vítima ou infrator. Reconhece o erro administrativo, mas alega que foi devidamente sanado. Também refuta a assertiva de que tratou a parte autora como homicida. Por fim, assevera que não há comprovação de danos materiais, tampouco morais. Pugna pela improcedência.

Réplica às fls. 71/72, na qual a autora reitera os argumentos expendidos na petição inicial.

Instadas a especificarem provas, ao autor requereu a oitiva de sua irmã. O réu manifestou-se pelo julgamento antecipado da lide.

Vieram os autos conclusos.

É a exposição. Decido.

Os fatos da causa encontram-se suficientemente demonstrados pelos documentos juntados aos autos. Não se faz necessária a produção de outras provas, até porque a pessoa indicada como testemunha é, na realidade, uma informante. Dispensada a audiência (CPC, art. 331, § 3º). Passa-se ao julgamento antecipado da lide, como impõe o artigo 330, inciso I, do CPC.

Sem preliminar. Passa-se ao mérito.

Trata-se de ação que visa reparação por dano material e moral decorrente de abertura de procedimento administrativo, bloqueio de CNH e enviou de correspondência que supostamente imputa à parte autora a prática de crime.

O dever de indenizar o prejuízo moral derivado da prática de ato ilícito exige, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, a prática culposa de ato ilícito capaz de causar prejuízo, a ocorrência de dano e a existência de nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado lesivo. A ausência de qualquer desses elementos acarreta a inexistência do dever de indenizar.

Tratando-se de prestação de serviço público, a responsabilidade independe de culpa, como previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Os ilícitos atribuídos ao réu consistem na suspensão do direito de dirigir e envio de notificação por infração ao artigo 302 do Código de Trânsito.

Não há controvérsia quanto ao fato de a parte autora ter sido vítima de acidente de trânsito ocorrido em 17/07/1999, quanto ao fato de ter sido chamada para responder procedimento administrativo no DETRAN/DF, em relação ao fato de ter sido suspensa a sua carteira de habilitação e quanto à circunstância de ter sido encaminhada correspondência à sua residência.

A questão que se coloca à exame refere-se à regularidade da atuação estatal.

O documento de fls. 31 revela que o autor foi convocado a apresentar defesa escrita em maio de 2002, como previsto no artigo 160, §§ 1º e 2º do CT. A propósito, determina o referido dispositivo legal:

Art. 160. O condutor condenado por delito de trânsito deverá ser submetido a novos exames para que possa voltar a dirigir, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN, independentemente do reconhecimento da prescrição, em face da pena concretizada na sentença.

§ 1º. Em caso de acidente grave, o condutor nele envolvido poderá ser submetido aos exames exigidos neste artigo, a juízo da autoridade executiva estadual de trânsito, assegurada ampla defesa ao condutor.

§ 2º. No caso do parágrafo anterior, a autoridade executiva estadual de trânsito poderá apreender o documento de habilitação do condutor até a sua aprovação nos exames realizados.

Segundo o dispositivo transcrito, em caso de acidente grave, será instaurado procedimento administrativo para a apuração de responsabilidades. Assim, a instauração do procedimento junto ao órgão de trânsito se ateve ao que dispõe a lei.

Contudo, os documentos dos autos revelam que ao autor foi atribuída penalidade em razão do evento. Contudo, os documentos apresentados são fartos no sentido de que o autor foi vítima do evento. Assim, não lhe poderia ser imputada penalidade administrativa em razão da infração.

O documento de fls. 35 evidencia que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do autor foi bloqueada provisoriamente. Ora, se o autor não contribuiu para o evento, não havia causa para a suspensão do seu direito de dirigir e para submetê-lo a exame de reciclagem. A propósito, o artigo 268 do CT estabelece quanto ao curso de reciclagem:

Art. 268. O infrator será submetido a curso de reciclagem, na forma estabelecida pelo CONTRAN:

I - quando, sendo contumaz, for necessário à sua reeducação;

II - quando suspenso do direito de dirigir;

III - quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial;

IV - quando condenado judicialmente por delito de trânsito;

V - a qualquer tempo, quando for constatado que está colocando em risco a segurança do trânsito;

VI - em outras situações a serem definidas pelo CONTRAN.

O documento de fls.37 evidencia que a participação no curso de reciclagem consistiu em requisito para a liberação no bloqueio da CNH. Contudo, não existiu fundamento legal para tal conduta administrativa, tanto que a Administração reconheceu o erro praticado.

A abertura de procedimento administrativo, mesmo após decisão judicial, não se revela inoportuna ou atentatória aos direitos do autor, uma vez que a Administração tem que atuar de acordo com suas regras internas. Entretanto, a partir de tal procedimento, imputou indevidamente o bloqueio de CNH à parte autora, certamente se consubstancia em ato ilícito, posto que causador de prejuízos pelo fato da parte autora ficar impedida de conduzir veículo automotor durante o período de 18/11/2003 a 02/04/2007.

Quanto à correspondência recebida em 23/04/2007, entendo que integra os efeitos do erro administrativo cometido e não deve ser apreciado como novo fato causador de dano. Ademais, o teor da referida correspondência não imputa prática de homicídio, como tenta induzir a parte autora (fl. 53), dado que noticia uma infração.

Por fim, no que toca ao conhecimento dado a terceiros, tal derivou de conduta atribuível à parte autora que permite que outros acessem suas correspondências.

Diante do contexto exposto, o réu praticou dano moral na medida em que imputou ao autor penalidade de suspensão do direito de dirigir sem fundamento legal.

O autor esteve alijado de receber sua Carteira Nacional de Habilitação e impedido de conduzir veículo automotor por quase quatro anos. A questão não pode ser tratada como mero dissabor, uma vez que viola claramente o direito do autor de ter seu nome sem qualquer restrição administrativa para requerer aos órgãos públicos o que entender conveniente, no caso concreto, sua CNH.

No que toca ao prejuízo, a responsabilidade pelo dano moral dispensa a sua demonstração, dado que este presumivelmente decorre do ato lesivo. Nesse sentido, confira-se:

"CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO NO CADASTRO DE DEVEDORES DO SERASA. IRRELEVÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.

A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto.

(Omissis)" (STJ - RESP 196.024/MG - Rel. (Min. César Asfor Rocha - DJ 02/08/1999).

Não se faz necessário perquirir, por se tratar de prestação de serviço público, se a ré agiu culpa, pois a responsabilidade pela reparação do dano causado independe da demonstração desse elemento.

Presentes todos os elementos que configuram o dever de indenizar, passa-se à análise do quantum devido.

A fixação da indenização devida a título de dano moral é matéria que exige especial atenção do julgador, principalmente porque a extensão da dor sofrida não pode ser objetivamente quantificada em pecúnia. Vindo em auxílio ao magistrado, a doutrina erige alguns critérios hábeis a balizar a atividade judicial, tais como: a) o nível econômico-financeiro das partes, de sorte a não fazer da indenização arbitrada fonte de enriquecimento indevido do autor ou de miserabilidade do réu; b) o caráter punitivo de que deve ser revestir a indenização, posto ser esta meio de sanção pelo ilícito praticado; c) a função educativa, eis que a indenização também tem como escopo evitar a reiteração do ato lesivo; e d) o grau de culpa do responsável.

Nesse sentido, ressalta Carlos Bittar, citado por Yussef Said Cahali (Dano Moral, Ed. RT, 2ª Edição, pág. 177):

"Demarca-se, como dados propiciadores da configuração do dano moral, a necessidade de a ação judicial acarretar a exigível intimidação para que fatos análogos não se repitam, além de se constituir, sob certo aspecto, em forma punitiva civil dirigida ao ilícito, sem desconsiderar que propicia a pecúnia um conforto maior para quem suportou tão grande trauma como a morte violenta do chefe de família". E segue Cahali "o montante do dano moral deve ser estipulado em conformidade com a teoria do valor de desestímulo, que doutrina e jurisprudência vêm propugnando, para elisão de comportamentos lesivos à sociedade. Cuida-se de técnica que, a um só tempo, sanciona o lesante e oferece exemplo à sociedade para que não floresçam condutas que possam ferir valores que o direito protege; a indenização por dano moral não tem caráter unicamente indenizatório, mas também possui caráter pedagógico, ao servir de freio para que atos culpáveis voltem a se repetir".

Atendendo a tais elementos, principalmente ao caráter educativo e punitivo de que deve se revestir a indenização, ao grau de culpa da ré, que não se atentou às razões apresentadas pelo autor ao responder o procedimento administrativo, responsabilizando-o por ato que não cometeu e suspendendo sua CNH por vários anos, fixo a indenização pelo dano moral causado em R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Os documentos de fls. 55/56 demonstram o dano material - despesas para resolver a questão.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 8.000,00 a título de indenização pelo dano moral. Esse valor será acrescido de correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, contados a partir desta data. Condeno, ainda, ao pagamento de R$ 180,00 a título de indenização por dano material. Esse valor deverá ser acrescido de correção monetária, a partir da data de pagamento de cada parcela que o compõe, e de juros de mora de 1% ao mês, devido a partir da citação (12/05/2008 - fls. 61). Sem custas, diante da isenção do réu. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios. Fixo os honorários em R$ 500,00 (CPC, art. 20, § 4º). Declaro resolvido o mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília - DF, segunda-feira, 18/05/2009 às 13h50.

Luciana Pessoa Ramos
Juíza de Direito Substituta



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