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quinta-feira, 21 de maio de 2009

JURID - Dano moral. Desentendimento entre paciente e equipe médica. [21/05/09] - Jurisprudência


Ação de indenização. Dano moral. Desentendimento entre paciente e equipe médica.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DESENTENDIMENTO ENTRE PACIENTE E EQUIPE MÉDICA MINUTOS ANTES DA CIRURGIA, QUE NÃO FOI REALIZADA. DANO MORAL. REDUÇÃO DO QUANTUM. AGRAVO RETIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.

1. O Hospital responde pelos atos praticados por médico que atua em suas dependências e sob sua esfera de vigilância, ainda que não integre o corpo clínico do Hospital. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. Agravo retido desprovido.

2. Presente a responsabilidade do Hospital e do médico cirurgião a justificar a indenização pelo abalo moral sofrido pela autora, ao ter cirurgia cancelada ante a discussão entre a equipe médica e a paciente acerca da forma de pagamento do anestesista, minutos antes da entrada no bloco cirúrgico.

Fato que poderia ser prevenido se os médicos e anestesistas tivessem realizado o acerto financeiro nos dias anteriores ao procedimento. O fato de realizar a discussão nos minutos anteriores ao procedimento não se mostra apropriado, na medida em que o paciente se encontra num momento de fragilidade emocional.

3. Redução do quantum indenizatório fixado na sentença, para melhor se ajustar aos parâmetros da Câmara e satisfazer o caráter punitivo-pedagógico da sanção, observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

4. Os juros moratórios devem ter aplicação desde o evento danoso, consoante dispõe a Súmula 54 do STJ.

AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

Apelação Cível

Sexta Câmara Cível

Nº 70026773044

Comarca de Porto Alegre

ELIZABETH DE SOUZA ROCHA
APELANTE/APELADO

UBEA - PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DO RIO GRANDE DO SUL
APELANTE/APELADO

ANTONIO CARLOS CUNHA HEEMANN
APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento aos apelos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente e Revisor) e Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura.

Porto Alegre, 07 de maio de 2009.

DESA. LIÉGE PURICELLI PIRES,
Relatora.

RELATÓRIO

Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)

A fim de evitar tautologia, utilizo o relatório da sentença de folhas 368/377:

"ELIZABETH DE SOUZA ROCHA propôs ação de indenização por danos morais contra PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL-UBEA e ANTÔNIO CARLOS CUNHA HEEMANN, partes qualificadas na inicial. A autora disse ter realizado três consultas com o médico requerido, tendo o mesmo indicado uma cirurgia para retirada de tumor no cérebro. Em face de seu abalo emocional externou interesse em ter um acompanhamento psicológico, o que foi descartado pelo cirurgião, o qual afirmou estar preparado para realizar a intervenção. Alegou que o médico sempre agiu de forma ríspida e distante. Na última consulta recebeu a solicitação para o convênio com o nome dos médicos e requisição para baixa hospitalar, depois, com a documentação liberada para realização da cirurgia em 30/06/2005, em contato com o consultório médico, foi informada que deveria levar a documentação por ocasião da baixa e entregá-la à equipe médica. Relatou que uma vez instalada no quarto foi informada de que nada constava no registro do hospital relativamente a sua cirurgia, mas que estavam contatando com o cirurgião. Em virtude de fortes dores e da medicação ministrada ficou confusa e sonolenta, lembrando apenas que vinte e quatro horas após a baixa hospitalar o médico compareceu em seu quarto explicando que a cirurgia havia sido remarcada porque o hospital somente atendeu emergências e casos de UTI no dia anterior. Sem saber os procedimentos necessários à intervenção que iria submeter-se nem a duração estimada da mesma foi levada ao bloco cirúrgico, ocasião em que o requerido perguntou como seria pago o anestesista, sendo-lhe mostrada a autorização do plano de saúde com relação à equipe médica do réu. O requerido disse que não trabalharia de graça, nem sua equipe, que não mais faria a cirurgia dando-lhe alta. Abalada e chorando foi conduzida de volta ao quarto, verificando registros com referência ao ocorrido pelo médico e pela equipe de enfermagem. No quarto foi procurada por uma médica que a culpou pela desistência da intervenção pelo cirurgião. Argüiu que a sindicância interna do Hospital concluiu por indícios de infração ao art. 6º do Capítulo I do Código de Ética Médica, sendo que a apuração no Conselho de Medicina ainda encontra-se pendente. Requereu a condenação dos requeridos pelo dano moral sofrido e o benefício da assistência judiciária gratuita. À causa foi atribuído o valor de R$ 800,00 (fls. 02/20).

A AJG foi deferida à fl. 68.

Na contestação, o requerido Antônio disse que a primeira consulta com a demandante ocorreu em 10/06/2005, ocasião em que solicitou exames e prescreveu medicação para a sinusite, tendo a mesma retornado em 16/06/2005 quando lhe indicou a remoção após verificar que se tratava de um tumor ósseo benigno, o que foi considerado agressivo pela autora. A terceira consulta, em 22/06/2005, a paciente retornou dizendo não ter obtido êxito através de tratamento espírita tendo sido recomendado que procurasse outro parecer. Em face da negativa foi explicado que o anestesista deveria ser pago diretamente pela paciente para posterior reembolso pelo plano de saúde sendo os demais procedimentos e o restante da equipe coberta pelo convênio, bem como a cirurgia não era de urgência podendo a mesma tranqüilizar-se. Alegou que a autora não tinha condições de conversar com o anestesista que a visitou no dia anterior à cirurgia nem havia outra pessoa autorizada para resolver tais questões e por isso a cobrança da anestesia foi retomada na sala pré anestésica do bloco cirúrgico. Em face da negativa da paciente em proceder ao pagamento e expressando dúvida quanto ao procedimento não mais havia condições para prosseguir. Argüiu premeditação por parte da demandante na tentativa de fazer a cirurgia sem pagamento da anestesia, eis que sabia de antemão que seu convênio médico não cobria o profissional destacado, tendo inclusive ofendido aos profissionais que lhe atendiam ao solicitar uma equipe menos mercenária quando não quis pagar. Em contrapartida, o médico desistiu de fazer a cirurgia marcada, eis que não era de urgência (tanto que a paciente foi para casa), inexistindo o alegado dano moral. Requereu a improcedência da ação (fls. 72/78).

O Hospital por sua vez alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade, eis que não pode ser responsabilizado por atos praticados pelo demandado, eis que não pode interferir na relação médico-paciente limitando-se a fornecer suas instalações para a cirurgia em conformidade com o Código de Ética Médica. No mérito alegou que o desentendimento ocorreu entre a autora e o médico sem qualquer interferência do hospital, que prestou de forma adequada seus serviços durante a estadia da paciente. Argüiu desconhecer a modalidade de contratação de serviços entre as partes, bem como o acerto relativo aos honorários. Disse que a cirurgia foi agendada para 01/07/2005, razão pela qual não acredita que o médico tenha atendido mal ou humilhado a autora desde a primeira consulta. Requereu o acolhimento da preliminar ou a improcedência da ação (fls. 183/195).

A réplica foi acostada às fls. 210/219.

A preliminar de ilegitimidade passiva restou afastada sendo a decisão objeto de agravo retido, devidamente contra-arrazoado, fls. 220, 230/269, 271/272 e 272-verso.

Intimadas acerca da produção de provas, a parte autora e o segundo réu, requereram depoimento pessoal e a oitiva de testemunhas (fls. 220, 226/227 e 228/229).

Uma vez inexitosa a conciliação proposta em audiência, foram colhidos os depoimentos pessoais e ouvidas as testemunhas (fls. 306/333).

As partes acostaram memoriais (fls. 341/344, 348/353 e 361/365)."

Sobreveio sentença de procedência da ação para condenar os réus a pagarem à autora, a título de ressarcimento por dano moral, solidariamente, a quantia total de R$ 25.000,00, corrigida pelo IGP-M desde a data da sentença, acrescida de juros de mora de 12% ao ano a partir da última citação no feito, até o efetivo pagamento. Os réus foram condenados ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o total do valor da condenação atualizado, dividindo as despesas por igual.

Inconformada, apelou a autora (fls. 380/385), postulando a incidência dos juros desde o evento danoso, qual seja, 01/07/2005, e a majoração do valor fixado a título de dano moral.

Apelou também o UBEA - Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (fls. 387/397), postulando o exame do agravo retido de fls. 231/269. Sustentou que inexistiu qualquer falha no atendimento prestado pelo Hospital, e o suposto dano moral invocado pela autora, acaso reconhecido, teria sido causado, exclusivamente, pelo atrito havido entre a mesma e seu médico de confiança e pelo conseqüentemente cancelamento da cirurgia proposta, situações que não são decorrentes do agir do nosocômio. Caso mantida a sentença, requereu a redução do valor dos danos morais.

Às fls. 400/410 o réu Antonio Carlos interpôs apelação, alegando que ocorreu uma quebra de confiança entre paciente-médico, ocasionado pela própria paciente. Não havia condições de o apelante continuar atendendo a autora, muito menos de operá-la. Enquanto esteve internada, a apelada é que desrespeitou o apelante. Alega inexistir dano moral, porquanto a autora negou-se a pagar a anestesia, gerando todo o ocorrido. Caso mantida a sentença, postula a redução do valor fixado a título de danos morais.

Apresentadas as contra-razões razões, vieram os autos à consideração desta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)

Conheço dos recursos, por próprios e tempestivos.

Do agravo retido

De início, passo à análise do agravo retido de fls. 231/238, interposto contra decisão que rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva do Hospital demandado.

Alega o agravante que se limitou a fornecer suas instalações para a cirurgia, conforme solicitado pelo médico e de acordo com o contrato estabelecido com o convênio da autora, não possuindo qualquer responsabilidade pelos atos praticados pelo profissional contratado pela autora.

Sem razão.

A alegação de que o Hospital se limitou a fornecer suas instalações para a cirurgia é insubsistente.

Integra o corpo clínico do Hospital o médico que atua no exercício de sua atividade profissional, nas dependências do hospital e com a expressa aquiescência deste. No caso dos autos, a relação entre o médico e o Hospital é de mero credenciamento para utilizar as dependência do nosocômio. O médico réu não estava atuando como preposto do Hospital, mas sim como profissional autônomo, que contrata a utilização das salas e blocos cirúrgicos para a realização de seus procedimentos.

No entanto, ainda que ausente a subordinação entre o médico e a entidade hospitalar, eventual responsabilidade civil decorrente de erro praticado pelo médico, quando em atuação no hospital, se estende também à entidade hospitalar.

Ademais, como bem salientado pelo Magistrado "a quo" ao afastar a preliminar, o Hospital pode figurar no pólo passivo do feito na condição de causador do dano, em tese. O agravante responde pela falha na prestação do serviço.

Nego provimento, pois, ao agravo retido.

Do mérito

Passo ao exame dos apelos do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e réu Antônio Carlos em conjunto.

As partes apelam da sentença que julgou procedente a ação de indenização por danos morais, condenado os réus, solidariamente, ao pagamento da quantia de R$ 25.000,00.

A autora possuía diagnóstico de tumor no crânio, com indicação de cirurgia. O procedimento foi agendado para o dia 30/06/2005, e a autora compareceu no Hospital no dia 29/06/2005. No entanto, o réu, médico da autora, comunicou-a que a realização da cirurgia somente dar-se-ia no dia 01/07/2005. Ocorre que quando a autora estava entrando no bloco cirúrgico, foi questionada a respeito da forma de pagamento da anestesia. A partir daí, seguiu-se uma discussão entre a equipe médica do réu e a autora, culminando na desistência da intervenção pelo cirurgião.

Presente a responsabilidade dos requeridos pelo abalo moral sofrido pela autora ao ter a cirurgia cancelada pelo desentendimento em relação ao pagamento da anestesia, minutos antes da entrada no bloco cirúrgico.

Tendo em vista a circunstância de a sentença de primeiro grau, da lavra do Juiz Eduardo Kothe Werlang, ter abordado com percuciência o âmbito da lide posta em juízo, inclusive com análise detalhada da prova colhida nos autos, peço vênia para adotar os fundamentos sentenciais como razão de decidir do presente julgado, até em atenção à garantia fundamental da celeridade jurisdicional, estabelecida no art. 5º, LXXVIII, da CRFB/88.

"Os documentos trazidos aos autos pela própria autora demonstram que os serviços prestados pelo anestesista não tiveram cobertura pelo plano de saúde que autorizou o procedimento cirúrgico, a internação, bem como os honorários ao restante da equipe médica, conforme verifica-se através das autorizações feitas pelo Sener aos auxiliares 1 e 2, cirurgião para o procedimento descrito no estabelecimento hospitalar indicado, na forma e data previstas, fls. 24 a 29, bem como constata-se pelo contrato de fls. 30 e 30-verso que a requerente tomou ciência de tais documentos e de seus conteúdos ao assiná-los. Considerando-se a escolaridade e o grau de cultura geral da mesma, não se pode falar em desconhecimento dos termos contratuais nem da necessidade de sua leitura, apreciação e eventual questionamento para firmar os mesmos. Nesse mesmo diapasão, também não se pode alegar dificuldade de entendimento em razão da doença, seus sintomas ou crise com efeitos físicos ou psicológicos que tenham afetado a autora, eis que sabedora de seus problemas anteriormente, já havia feito três consultas de modo que poderia ter-se prevenido com a companhia de um parente ou pessoa de confiança e habilitada a lidar com tais assuntos que a pudesse representar, se necessário. A demandante não foi diligente com sua saúde nem com eventuais problemas administrativos e burocráticos que pudessem surgir e que, lamentavelmente, são comuns em ocasiões como estas, ao comparecer para internação e se fazer acompanhar da filha menor quando da cirurgia, eis que já se encontrava fragilizada em função da doença e do procedimento ao qual iria submeter-se.

Entretanto, ainda que não se possa ignorar a atuação da requerente para o desfecho do caso em tela, a questão suscitada e trazida para apreciação do Judiciário é a contribuição do médico e do hospital para o abalo moral sofrido pela autora ao ter sua cirurgia cancelada por falta de pagamento do anestesista minutos antes da entrada no bloco cirúrgico.

Nesse aspecto, constata-se falta de habilidade por parte do médico para lidar com seus pacientes sob o ponto de vista psicológico, emocional, bem como para com assuntos administrativos. De acordo com os depoimentos colhidos, fls. 306/333, em especial pela narrativa das partes na inicial e contestação, respectivamente, desde a primeira consulta a autora mostrou-se apreensiva e até a internação ainda não havia compreendido exatamente a extensão e a gravidade do mal que lhe acometia, não sabendo precisamente da urgência ou seriedade da cirurgia a qual estava por fazer. Ora, quem detém esse tipo de conhecimento é o médico, portanto somente ele pode esclarecer, tranquilizar e dar confiança à paciente. De acordo com os autos isso não foi feito, tendo o réu inclusive dito que a requerente deveria ter procurado outro médico após a primeira consulta já que reclamava dele desde então. O que o réu parece não haver entendido após anos de exercício da medicina é que esta profissão necessita bem mais que primazia técnica sendo imprescindível qualificação humana de excelência, pois lida com a saúde de seres humanos, com a vida, bem mais precioso do que outros valores. Em termos administrativos, o que se verifica é que o médico, ao invés de verificar a documentação da paciente por ocasião da última consulta ou da baixa hospitalar para confirmar o procedimento e evitar a cena deplorável ocorrida, não o fez. O fato de que o anestesista estaria aguardando contato com o convênio, o qual teria retardado o retorno à paciente não retira a responsabilidade do médico com quem a paciente até então efetivara toda a tratativa, inclusive porque segundo seu depoimento e do anestesista ela já sabia que deveria pagá-lo de forma particular, negando-se a fazê-lo e esperar reembolso por parte do plano de saúde, logo, de nada adiantaria o aludido contato tentado ao longo da manhã da cirurgia. Assim, cabia ao médico responsável pela equipe, cancelar a cirurgia liberando o bloco cirúrgico antecipadamente, evitando desgaste desnecessário da paciente e de seus familiares, equipe médica, de enfermagem e pessoal administrativo do hospital. Sem qualquer racionalidade sua conduta de discutir sobre documentação ou verba pecuniária estando às portas da cirurgia; tratando o assunto com a paciente sob o estresse emocional e sob efeitos dos condicionamentos pré-cirúrgicos.

Em ambas situações, nas consultas prévias à cirurgia, quando a paciente se encontra fragilizado e necessita de apoio psicológico, ocasião em geral comum e simples para um médico mas quase sempre limite para o leigo, bem como para tratar das questões relativas a encaminhamento, documentação e liberação para internação, exames, procedimento cirúrgicos, respectivos acompanhamentos e equipe médica, o réu Antônio Carlos poderia ter delegado tais tarefas reservando para si aquela que realmente o satisfaz e para a qual está qualificado, qual seja, a realização do procedimento cirúrgico, eis que para o exercício das duas primeiras atividades descritas, o mesmo foi omisso, agiu com desdém, faltou com a ética que lhe é exigida profissionalmente, e acabou por desrespeitar a autora que se encontrava em situação já desfavorável, prestes a entrar em cirurgia, causando-lhe dor e abalo moral comprovado pelo documento de fl. 393, depoimentos de fls. 307/311, 315/331 e pelo levantamento realizado pela Comissão de Ética Médica do Hospital São Lucas da PUC, fls. 42/50.

No diz respeito ao nosocômio, sua atuação com relação à autora desde a baixa hospitalar até a intervenção cirúrgica que deixou de ocorrer, ainda que por problemas diretos entre a paciente e a equipe médica, demonstram a existência de problemas de administração hospitalar, bem como de compreensão, do alcance e da aplicabilidade das normas do Código de Defesa e Proteção do Consumidor. O fato da entidade não possuir vínculo empregatício com os médicos que utilizam as dependências do hospital para efetivar os procedimentos necessários, mas apenas recebendo-os como comodatários e os pacientes como hóspedes cujo serviço prestado é altamente especializado (profissionais e técnicos da área de enfermagem, nutrição, fisioterapia, química, etc.), no dizer do próprio hospital, não significa que a entidade seja isenta de responsabilidade relativamente ao que ocorre em suas dependências. Até por não disponibilizar suas acomodações a pessoas que tenham buscado médico não cadastrado pelo hospital, ou seja, é a PUC quem decide qual o profissional da medicina está ou não autorizado a operar em suas dependências. No caso em tela, de acordo com os documentos de fls. 24/29, a baixa hospitalar estava prevista para 28/06//2005 e o procedimento para 29/06/2005, 13:00h; de acordo com a autora o combinado com o médico era baixar no dia 29/06/2005 e fazer a cirurgia dia 30/05/2005, 13h:30min., porém ao chegar no hospital nenhum funcionário do estabelecimento sabia do agendamento da internação ou da cirurgia de tal modo que a mesma ficou marcada para 01/07/2005 porque de acordo com o médico réu a UTI no dia anterior somente atendeu a casos de urgência e emergência. O Contrato de Prestação de Serviços Hospitalares, fls. 30 e 30-verso, nada refere quanto ao procedimento cirúrgico. Uma vez inexistindo documento ou depoimento capaz de comprovar que o hospital tenha atendido de forma correta a autora, prestando as informações necessárias, de forma clara e precisa, esclarecendo suas dúvidas, verificando se a documentação para entrada, atendimento e permanência no estabelecimento estava adequada, bem como certificando-se da inexistência de pendência entre a equipe médica e o convênio de modo a evitar a situação ocorrida, faltou com o dever de bem informar, de respeito, agiu de forma negligente e omissa para com a demandante contribuindo com a causa de seu sofrimento moral, uma vez que havendo os cuidados supra elencados ter-se-ia evitado a dor e o desgaste sofrido pelas partes e demais envolvidos. Além disso, tal desorganização administrativa e gerencial acarreta problemas para muitas outras pessoas pois baixas hospitalares e cirurgias poderiam ter sido agendadas e efetivadas, quanta economia os planos de saúde poderiam ter feito sem precisar repassar tais custos aos associados evitando-se internações para procedimentos cirúrgicos desmarcados em cima da hora, quanta medicação e exame teria sido economizado caso o agendamento fosse melhor cuidado e a reserva do bloco cirúrgico fosse confirmada somente após a solução administrativa e a revisão dos documentos, obviamente quando não se tratar de emergência.

É de se reparar que cada um dos réus tenta eximir-se de qualquer responsabilidade analisando o ocorrido sob um prisma absolutamente estático. O médico atribuindo culpa à paciente que não quis pagar pelo anestesista que o plano não cobria. O hospital afirmando que os honorários profissionais são acertados diretamente com os médicos envolvidos. Evidentemente que não só o médico, mas nenhum profissional está obrigado a trabalhar gratuitamente, bem como não se está fazendo apologia para que os estabelecimentos hospitalares passem a intermediar ou a negociar os honorários médicos, porém está claro que se médicos ou alguém que representasse a equipe, incluindo o anestesista juntamente com um funcionário do hospital checassem a documentação do paciente, fosse particular, convênio ou SUS, no dia anterior à cirurgia ou quando de sua internação de modo a confirmar o procedimento, muitos problemas e desgastes seriam evitados e dinheiro economizado, sem falar no respeito às pessoas que restaria estimulado.

Trata-se aqui de dano moral puro, cuja potencialidade da má prestação do serviço demonstrada por si só autoriza o pedido de indenização, contudo deve-se atentar para o fato da própria autora ter contribuído para seu sofrimento, o que não retira nem justifica a responsabilidade dos requeridos, porém pode e deve refletir nos valores da condenação de modo a evitar o enriquecimento ilícito por parte da vítima, bem como incentivar atuação positiva e atuante do cidadão e não paternalista por parte das entidades e do Estado.

Os réus deixaram de prestar serviços à autora, ao abordar a paciente acerca da forma de pagamento da anestesia, o que culminou com a discussão relatada e o cancelamento da cirurgia agendada, e aqui está o cerne da questão: o fato de realizar a discussão minutos antes do procedimento.

Conforme se extrai da sindicância realizada pela comissão de ética médica do Hospital:

"A Comissão de Ética Médica do Hospital São Lucas da PUCRS, no uso de suas atribuições, após receber os depoimentos das pessoas relacionadas ao fato denunciado pela reclamante através de requerimento administrativo denominado nº 01/2005, cujo objeto trata da responsabilização de médico neurocirurgião e considerando:

1. O fato ocorrido na ante-sala do bloco cirúrgico poderia ser prevenido se o médico assistente e os anestesistas relacionados no caso tivessem realizado o acerto financeiro ou do convênio nos dias anteriores ao procedimento, bem como durante os dois dias de internação da paciente ou ainda mesmo numa consulta pré-anestésica, fora do Hospital. Não há registro no prontuário de que tenha sido tentado algum acerto via convênio ou financeiro para o pagamento da anestesia.

2. Ainda que se possa considerar aceitável a suspensão do procedimento cirúrgico quando a relação médico-paciente e não esteja adequada, o fato de realizar esta discussão nos minutos anteriores ao procedimento, e na ante-sala do bloco cirúrgico, não é apropriado, na medida em que o paciente está num momento de fragilidade emocional."

Em relação ao Hospital, quanto a autora chegou nas dependências do mesmo para realizar a baixa, em 29/06/2005, nenhum funcionário sabia do agendamento da internação ou da cirurgia. Nada constava nos registros do Hospital sobre a internação, tampouco alguma cirurgia estava marcada, tanto que ficou marcada para o dia 01/07/2005. Ainda, o Hospital sequer tinha anestesista substituto, que poderia ser acionado para eventual substituição do profissional.

No caso em exame, restou devidamente configurada a responsabilidade do Hospital, decorrente da conduta omissa e negligente adotada por seus prepostos.

Diante das circunstâncias dos fatos, presente o dano moral a ser indenizado.

Quanto ao valor fixado a título de danos morais, com razão os réus.

É inconteste que em tema de responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais, no Brasil, tem prevalecido a teoria da natureza satisfatório-punitiva.

A sanção deve buscar a sua dupla finalidade: a retributiva e a preventiva. Justamente por isso, a quantificação deve ser fundada, principalmente, na capacidade econômica do ofensor, de modo a efetivamente gravar-lhe o patrimônio pelo ilícito praticado e inibi-lo de repetir o comportamento anti-social, bem como de prevenir a prática da conduta lesiva por parte de qualquer membro da coletividade. De outra parte, a jurisprudência recomenda, ainda, a análise da condição social da vítima, da gravidade, natureza e repercussão da ofensa, da culpa do ofensor e da contribuição da vítima ao evento à mensuração do dano e de sua reparação.

O dano moral, levando-se em conta a angústia e o sofrimento suportado pela autora, em decorrência do fato, é manifesto. Demonstrada a abusividade do ato praticado e levando em conta as condições econômicas e sociais do ofendido e dos agressores, a gravidade potencial da falta cometida, considerando, principalmente, o sofrimento suportado pela autora, o caráter coercitivo e pedagógico da indenização, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tratando-se de dano moral puro e que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado, impõe-se a redução do montante indenizatório para o valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais) para o hospital, e R$ 5.000,00 para o médico réu, a título de reparação por danos morais. Este quantum revela-se suficiente e condizente com as peculiaridades do caso concreto.

Apelo da autora

Postulou a autora a majoração do valor fixado a título de danos morais.

A questão do quantum indenizatório já restou analisada no apelo dos réus. Nego provimento ao apelo da autora, no ponto.

Entretanto, no que se refere ao pedido de aplicação dos juros moratórios desde a data do fato danoso, tenho que merece prosperar em parte o apelo da autora.

A Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que os juros moratórios devem fluir a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

No caso, a data a ser considerada deve ser 1º/07/2005, data em que houve a discussão e o cancelamento da cirurgia.

D I S P O S I T I V O

Com estas considerações, nego provimento ao agravo retido, dou parcial provimento aos apelos dos réus, para reduzir o quantum indenizatório, condenando o Hospital São Lucas da PUC ao pagamento da quantia de R$ 11.000,00, e o réu Antônio Carlos do pagamento de R$ 5.000,00, a título de danos morais, e dou provimento em parte ao apelo da autora para determinar a incidência dos juros a partir do evento danoso, ou seja, 01.07.2005, nos termos do verbete da súmula n.º 54 do STJ.

É como voto.

AT

Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.

Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura - De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70026773044, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS."

Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO KOTHE WERLANG




JURID - Dano moral. Desentendimento entre paciente e equipe médica. [21/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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