Anúncios


segunda-feira, 11 de maio de 2009

JURID - Crime contra o meio ambiente. Mata Atlântica. Supressão. [11/05/09] - Jurisprudência


Crime contra o meio ambiente. Mata Atlântica. Supressão de vegetação nativa.
Jurid DEV! Central de desenvolvimento! Acesse e tenha contatdo direto com a equipe de desenvolvedores! Blog Jurid!

Tribunal Regional Federal - TRF4ªR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.71.00.045327-6/RS

RELATOR: Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: DIRCEU BERTOLI

ADVOGADO: Andrea da Cunha Guarise

EMENTA

PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. MATA ATLÂNTICA. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. ARTS. 38 E 39 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ANULAÇÃO DO FEITO. CABIMENTO. RECURSO DA ACUSAÇÃO. NE BIS IN IDEM E REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. MANUTENÇÃO DO DECRETO ABSOLUTÓRIO.

1. Inexistindo lesão direta e específica a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, compete à Justiça Estadual processar e julgar os crimes contra o meio ambiente. 2. Consoante remansosa jurisprudência, a circunstância de integrar a flora atingida a Mata Atlântica, e de caber ao IBAMA a fiscalização dos recursos naturais, não tem o condão de atrair a competência da Justiça Federal, nos termos preconizados pelo artigo 109, IV, da CF/88. 3. Tratando-se de persecução criminal processada perante Juízo incompetente seria caso de anular ab initio o feito, remetendo-o para processamento na esfera estadual. Todavia, havendo decreto absolutório, para que a pretensão punitiva estatal atinja os objetivos de validade e eficácia, deve-se impedir que haja nova persecução criminal a respeito do mesmo fato delituoso objeto de outra ação penal (ne bis in idem). 4. Embora constatada nulidade em recurso exclusivo da acusação, deve ser mantida a decisão favorável emanada por Juízo incompetente, em face do reconhecimento da non reformatio in pejus indireta.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por maioria, de ofício, declarar a incompetência da Justiça Federal, restando prejudicado o exame do apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 22 de abril de 2009.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.71.00.045327-6/RS

RELATOR: Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: DIRCEU BERTOLI

ADVOGADO: Andrea da Cunha Guarise

RELATÓRIO

DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal aviou denúncia (fls. 02-3) em desfavor de Dirceu Bertoli pela prática dos delitos tipificados nos artigos 38 e 39 da Lei nº 9.605/98.

A exordial, recebida em 11.01.2006 (fl. 13), assim descreveu os fatos:

"DIRCEU BERTOLI, em data não determinada, mas conforme constatado pelo IBAMA no dia 17.01.2005, cortou árvores de mata nativa sem permissão da autoridade competente, bem como destruiu em parte e danificou floresta de preservação permanente, em propriedade localizada na Estrada do Caraá, no interior do Município de Osório neste Estado.

De fato, segundo apurado pelo fiscal do Ibama na referida data, o acusado suprimiu mata nativa existente em sua propriedade, na zona rural do Município de Osório, sendo apreendidos 40m³ de lenha empilhada no local, restando embargada a área.

A materialidade delitiva e a autoria estão evidenciadas através do Auto de Infração nº 150730-D, Termo de Apreensão e Embargo nº 177400, firmados pelo acusado, bem como Relatório de Fiscalização lavrado pelo Técnico ambiental Dalci Ferreira.

A mata nativa afetada pela ação ilícita situa-se em município integrante da área delimitada pelo Bioma Mata Atlântica e Ecossistemas Associados, patrimônio nacional tutelado pela Constituição Federal em seu artigo 225, § 4º, sendo considerada de especial preservação pelo Decreto 750/93".

O Parquet Federal deixou de propor a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), tendo em conta que a soma das penas mínimas cominadas aos delitos ultrapassa o limite legal.

Concluída a instrução, sobreveio sentença (fls. 198-209) julgando improcedente a denúncia para absolver Dirceu Bertoli das imputações que lhe foram feitas, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.

Inconformado, o Ministério Público apelou. Nas razões (fls. 219-29) sustenta, em suma, que a materialidade do delito, ao contrário do entendimento do julgador monocrático, restou devidamente comprovada, porquanto os documentos administrativos que lastrearam a peça acusatória, além de serem dotados de fé pública, com presunção de legitimidade, descreveram claramente as condutas ilícitas perpetradas pelo acusado, qual seja "cortar mata nativa em sua propriedade e destruir floresta, considerada de preservação permanente". Asseverando que por serem "portadoras de grande riqueza genética e de alta complexidade ecológica" floresta e mata possuem mesmo significado e têm proteção constitucional. No caso dos autos, ficou devidamente demonstrado o dano ao meio ambiente, uma vez que foram cortadas árvores em área de preservação permanente da Mata Atlântica. Requer a reforma da sentença, com a consequente condenação do réu, nos termos da denúncia.

Subindo os autos, foram apresentadas contrarrazões (fls. 244-5).

A douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito (fls. 247-51) manifestou-se pelo provimento da irresignação.

É o relatório.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.71.00.045327-6/RS

RELATOR: Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: DIRCEU BERTOLI

ADVOGADO: Andrea da Cunha Guarise

VOTO

DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Ab initio, mister verificar a competência para processar e julgar eventual crime perpetrado contra a flora, estabelecido nos art. 38 e 39 da Lei nº 9.605/98.

Encontra-se pacificado na jurisprudência que poderá a Justiça Federal processar e julgar crime contra a flora somente quando houver lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

"PENAL E PROCESSUAL. CRIMES CONTRA A FAUNA (MEIO AMBIENTE). COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E ESTADUAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE ESPECÍFICO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NÃO PROVIDO. 1. A competência para processar e julgar crimes cometidos contra o meio ambiente não é exclusiva da Justiça Federal, em razão do interesse comum que a Constituição Federal atribui aos entes federados (artigos 23, VI e XI e 225). 2. Para fins de definição da competência da Justiça Federal, a lesão a bens, interesses ou serviços da União ou de suas autarquias deve ser específica. Não é suficiente o interesse genérico. 3. Recurso do Ministério Público Federal não provido." (TRF da 1ª Região, RCCR nº 2001.03.20.0011330-8, Quarta Turma, Rel. Des. Carlos Olavo, public. no DJU de 26.03.2003, p. 65).

Além disso, insta consignar que o fato de integrar a flora atingida o bioma Mata Atlântica e de incumbir ao IBAMA a fiscalização, bem como o controle das autorizações para a prática de qualquer atividade na referida área, não é suficiente para atrair a competência do Juízo Federal. Nessa linha, decidiu a Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário nº 300.244-9 (Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 19.12.2001) ressaltando que "a circunstância de caber ao IBAMA a fiscalização (...) na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais, não caracteriza interesse da União capaz de dar competência à Justiça Federal".

No mesmo sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 38. LEI 9.605/98. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. COMPETÊNCIA. 1. A competência dos Juízes Federais encontra-se exaustivamente delineada no art. 109 da Carta Magna, que não faz qualquer menção a causas relativas ao meio ambiente. 2. Em termos de delitos ambientais, sob a égide da Lei 9.605/98, a competência para o processamento e julgamento é, em princípio, da Justiça Estadual, uma vez que não há dispositivo constitucional ou legal expresso determinando o encaminhamento à Justiça Federal. 3. A presença de interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas é pressuposto para que esteja caracterizada a competência da Justiça Federal, no caso dos crimes ambientais, em consonância ao art. 109, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. 4. As áreas de proteção permanente (Lei 4.771/65) não se confundem com as Unidades de Conservação criadas e administradas pelo Poder Público Federal (Lei 9.985/00), cuja afetação atrairia a competência da Justiça Federal. 5. A atuação de um órgão federal, seja como agente executor-fiscalizador de normas fixadas para o meio ambiente, seja como agente responsável pelo licenciamento de atividades que, efetivamente ou potencialmente, possam causar dano ao meio ambiente, no caso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, não interfere ou não pode interferir na competência da Justiça Federal. 6. Recurso prejudicado. (TRF 1ª Região, Terceira Turma, ACR nº 2001.38.03.005510-1, Rel. Des. Tourinho Neto, public. no DJ de 12.01.2007, pág. 09).

DIREITO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. MATA ATLÂNTICA. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. ARTIGO 50 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1 - Inexistindo lesão direta e específica a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, compete à Justiça Estadual processar e julgar os crimes contra o meio ambiente. 2 - A circunstância de integrar a Mata Atlântica, e de caber ao IBAMA a fiscalização dos recursos naturais, não tem o condão de atrair a competência da Justiça Federal, nos termos preconizados pelo artigo 109, IV, da CF/88. (TRF 4ª Região, 8ª Turma, RSE nº 2005.72.06.001894-3, Rel. Juiz José Paulo Baltazar Júnior, public. no DJU de 26.04.2006, pág. 1229).

Em suma, tenho que a competência da Justiça Federal, no que pertine aos crimes contra a natureza, deve ficar adstrita àqueles praticados em detrimento dos bens da União, quais sejam, exemplificativamente, as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, praias marítimas, mar territorial, terrenos de marinha, terras ocupadas pelos índios (CF art. 20). Também estão sujeitos à jurisdição federal os delitos que ofendem objetivamente interesse da União ou suas autarquias e empresas públicas.

No caso sub judice, em 17.01.2005, a fiscalização ambiental autuou o Sr. Dirceu Bertoli proprietário de área localizada no interior do Município de Caraá/RS, por cortar árvores e transformá-las em lenha, destruindo vegetação nativa em área de preservação permanente, sem autorização do órgão competente. Sucede que o suposto dano ambiental ocorreu em terras particulares, no interior do Município de Caraá/RS (Decreto 36.636/RS de 03.05.1996) inexistindo, portanto, quaisquer das hipóteses retromencionadas.

Assim, na falta de interesse direto da União, a competência para processamento e julgamento da imputatio facti, por certo é da Justiça Estadual, sendo imperiosa a anulação ab initio da persecução penal, tornando-se, por consequencia, inexistente a sentença prolatada.

Todavia constata-se que foi proferido decreto absolutório em relação a Dirceu Bertoli. Portanto, a solução de anular o feito, havendo apelo exclusivo do Ministério Público, infringiria frontalmente a Súmula 160 do STF, que assim estabelece:

"É nula a decisão do Tribunal que acolhe contra o réu nulidade não arguida no recurso da acusação."

Na mesma linha, vejam-se os Acórdãos assim ementados:

"CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. APELAÇÃO. (...) NULIDADE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. (...) REFORMATIO IN PEJUS. SÚMULA 160 DO STF. ORDEM CONCEDIDA. (...) O recurso de apelação de decisão do Júri tem caráter restrito, razão pela qual o Tribunal ad quem só pode conhecer das alegações suscitadas na irresignação, não sendo lícito o reconhecimento, em desfavor do réu, de nulidades processuais que não foram formalmente arguidas pelo Ministério Público. As nulidades que não foram objeto de impugnação no apelo não podem ser declaradas de ofício, sob pena de infringência ao princípio da non reformatio in pejus. Óbice da Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal..." (STJ, HC 48.375/GO, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 06/03/2006).

"RECURSO. APELAÇÃO. NULIDADE DECLARADA, EMBORA NÃO ARGÜIDA. SÚMULA 160. Se a sentença de primeiro grau absolveu o réu por insuficiência de provas (art. 386, VI, do CPP) e o Ministério Público, na Apelação, considerando-as suficientes, só pleiteou a condenação, não podia o Tribunal, reconhecendo a mesma insuficiência afirmada pelo Juiz, anular o processo ex officio para que outras provas sejam colhidas. HC deferido, em parte, para que afastada essa anulação, prossiga o Tribunal no julgamento da apelação, pelo mérito." (STF, HC 67.446/BA, Rel. Min. Sidney Sanches, public. no DJU em 30.06.89).

Afora isso, se não é lícito a este Tribunal reconhecer nulidade (da sentença) não aventada formalmente no apelo do Ministério Público, mais grave ainda seria este Colegiado enviar os autos para novo processamento na esfera competente, pois estar-se-ia incorrendo em ofensa ao princípio ne bis in idem.

Aliás, estabelece o art. 5º, inciso LIII da Carta Magna, in verbis:

"LIII - ninguém será processado, nem sentenciado senão pela autoridade competente".

Para que a pretensão punitiva estatal atinja os objetivos de validade e eficácia, deverá impedir que haja nova persecução criminal sobre o mesmo fato delituoso que foi objeto de outra ação penal.

Aliás, se o réu tem direito a ser processado pelo Juiz natural, a falha estatal de ter o agente ministerial ofertado a denúncia perante Juízo incompetente não pode vir a prejudicá-lo.

Sobre o assunto, confira-se a ementa do seguinte julgado:

HC. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. REPRESENTADO MAIOR DE IDADE. REMESSA À JUSTIÇA COMUM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1 - A sentença absolutória transitada em julgado, ainda que emanada de juiz absolutamente incompetente, não pode ser anulada e dar ensejo a novo processo pelos mesmos fatos. 2 - Incide, na espécie, o princípio ne bis in idem, impedindo a instauração de processo-crime pelos mesmos fatos por que foi o paciente absolvido perante Juízo absolutamente incompetente . 3 - Não havendo no ordenamento jurídico brasileiro revisão criminal pro societate, impõe-se acatar a autoridade da coisa julgada material, para garantir a segurança e a estabilidade que o ordenamento jurídico demanda. 4 - Ordem concedida. (STJ, Sexta Turma, HC nº 36.091/RS; Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 24.02.2005).

Para melhor compreensão do tema, transcrevo os fundamentos constantes do voto condutor do julgado, in verbis:

(...) A questão que se põe nos presentes autos encerra-se em torno de saber se a sentença absolutória transitada em julgado, ainda que emanada de juiz absolutamente incompetente, pode ser anulada e dar ensejo a novo processo pelos mesmos fatos.

A declaração de incompetência absoluta do Juízo se enquadra nas hipóteses de nulidade absoluta do processo. A esse respeito, não se pode confundir sentença nula com decisão inexistente. Trata-se essa última de um nada jurídico, simplesmente por falta de requisito essencial, tal como a sentença proferida por alguém que se fez passar por juiz; por isso, efeito algum produz no universo jurídico.

3 - De outra parte, a sentença prolatada por juiz absolutamente incompetente, embora nula, pode acarretar o efeito de tornar definitiva a absolvição do acusado. Assim, apesar de eivada de nula, a decisão tem como consequência a proibição da reformatio in pejus. É que a jurisdição é una, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de cujo exemplo trago à colação trecho da ementa do HC nº 80.263/SP, da relatoria do Min. Ilmar Galvão:

"(...) Os atos praticados por órgão jurisdicional constitucionalmente incompetente são atos nulos e não inexistentes, já que proferidos por juiz regularmente investido de jurisdição, que, como se sabe, é una. Assim, a nulidade decorrente de sentença prolatada com vício de incompetência de juízo precisa ser declarada e, embora não possua o alcance das decisões válidas, pode produzir efeitos. Precedentes. A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico pátrio, ainda que sem o caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, complementar o rol dos direitos e garantias individuais já previstos pela Constituição Federal, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do dever de acusar. Nesse contexto, princípios como o do devido processo legal e o do juízo natural somente podem ser invocados em favor do réu e nunca em seu prejuízo. Por isso, estando o Tribunal, quando do julgamento da apelação, adstrito ao exame da matéria impugnada pelo recorrente, não pode invocar questão prejudicial ao réu não veiculada no referido recurso, ainda que se trate de nulidade absoluta, decorrente da incompetência do juízo." (STF; HC nº 80.263/SP; Pleno; Rel. Min. Ilmar Galvão; DJ de 27/6/2003).

4 - (...). Ao se negar à sentença absolutória nula, por incompetência do Juízo da Infância e da Juventude, os efeitos de coisa julgada material, estar-se-ia diante de bis in idem. A coisa julgada material significa a imutabilidade do comando contido na sentença.

Na seara penal, a res judicata sustenta-se sobre a necessidade de segurança que a ordem jurídica demanda. Por isso, JOSÉ FREDERICO MARQUES (Elementos de direito processual penal, 2ª ed., revista e atualizada, Campinas: Millennium, 2000, pp. 81/82, v. 3) sustenta o seguinte entendimento:

"(...) Passando em julgado a sentença de absolvição, não há erro judiciário que torne possível, dentro das limitações objetivas e subjetivas da res judicata, a derrogação do pronunciamento jurisdicional em que se declarou improcedente a acusação. "Pouco importa que a sentença tenha sido proferida em processo manifestamente nulo, ou que haja o Tribunal cometido flagrante injustiça, ao absolver o acusado: o ne bis in idem funciona, aí, de maneira peremptória e absoluta."

No mesmo sentido é a lição de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Processo penal, 21ª ed., revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 583, vol. 4).

5 - A decisão emanada de juiz incompetente, para ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES e ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (As nulidades no processo penal, 7ª ed., revista e atualizada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001), trata-se de "sentença inexistente" e não simplesmente nula, uma vez que proferida por juiz constitucionalmente incompetente.

Todavia, ao contrário do que se poderia supor, mesmo considerando inexistente a sentença, os mencionados autores defendem que ainda assim seria impossível a revisão pro societate.

Transcrevo o seguinte excerto em que os juristas citados traçam comentário bastante elucidativo a respeito da questão:

"(...) Poderia o vício ser declarado pro societate, formulando a acusação nova pretensão punitiva e, na arguição de coisa julgada oferecida pela defesa (arts. 95, V, e 110 do CPP), argumentar com a não-ocorrência desta, por ser a sentença inexistente? "Não. Em se tratando de processo penal, o rigor técnico da ciência processual há de ceder perante os princípios maiores do favor rei e do favor libertatis. E o dogma do ne bis in idem deverá prevalecer, impedindo nova persecução penal a respeito de fato delituoso que foi objeto de outra ação penal"(...). "Nessa ótica, 'perseguido' que foi penalmente o acusado, ainda que perante juiz constitucionalmente incompetente, que o absolveu, não poderá ser novamente processado pelo mesmo fato, apesar de não ter a sentença aptidão para passar em julgado. Até porque a garantia do juiz constitucionalmente competente é erigida em favor do 'processado' e do 'sentenciado'".

6 - Aliás, outro não foi o espírito que orientou o legislador do Código de Processo Penal pátrio, ao permitir a revisão criminal apenas pro reo, senão garantir a segurança jurídica sem a qual todas as pessoas já processadas perante o Juízo Criminal, ainda que absolvidas por sentença transitada em julgado, passariam o resto de seus dias atormentadas pela possibilidade de, vislumbrada alguma nulidade em seus julgamentos, virem a ser novamente processadas pelos mesmos fatos.

7 - Dessarte, forte nas razões acima declinadas, concedo a ordem, para que se expeça alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso".

Afora isso, se fosse instaurada nova persecução no Juízo competente, na hipótese de condenação, eventuais reprimendas não alcançariam 02 (dois) anos. Considerada a anulação ab initio e tendo em conta o lapso temporal previsto no art. 109, V, do CP, fatalmente seria caso de reconhecimento da prescrição, devendo extinguir-se a punibilidade do réu (art. 107 e 117 do CP) eis que os fatos foram constatados em 17.01.2005, ou seja, há mais de 04 (quatro) anos.

Assim, sob qualquer ângulo que se examine a matéria, a decisão absolutória (ainda que emanada por Juízo incompetente) deve ser mantida.

Ante o exposto, de ofício, declaro a incompetência da Justiça Federal, restando prejudicado o exame do apelo.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.71.00.045327-6/RS

RELATOR: Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APELADO: DIRCEU BERTOLI

ADVOGADO: Andrea da Cunha Guarise

VOTO DIVERGENTE

Concordo com a premissa apresentada pelo eminente relator, quanto à circunstância de não ser da Justiça Federal a competência para o exame do presente feito. Contudo, com a devida vênia, divirjo de sua conclusão, sedimentada, em síntese, no entendimento de que o reconhecimento da nulidade em questão, que concerne à violação de competência jurisdicional, resultaria em prejuízo para o réu.

No entender desta Relatoria, o reconhecimento da incompetência do Foro Federal para o exame da questão posta nos autos não ocasionaria qualquer malefício às garantias do acusado e nem mesmo ofenderia a proibição de bis in idem.

É preciso observar, em primeiro lugar, que a competência discutida nos autos diz respeito à matéria posta em juízo, sendo, pois, causa de nulidade absoluta o desrespeito à correta atribuição jurisdicional. Ademais, trata-se de questão de ordem pública, a qual pode ser apreciada independentemente de provocação da parte interessada.

Verifica-se, outrossim, que não houve o trânsito em julgado da sentença absolutória, visto que o agente ministerial apresentou apelação. Desse modo, eventual solução condenatória proferida pelo juízo competente não infringiria os princípios non bis in idem e non reformatio in pejus.

Por oportuno, vale referir que somente haveria prescrição no foro competente se o respectivo Ministério Público ou o correspondente Juízo retificassem, respectivamente, a inicial acusatória e o seu recebimento. Fossem estes procedimentos apenas ratificados, não haveria falar em prescrição, mesmo pela pena mínima cominada em abstrato, uma vez que se conservariam os marcos interruptivos observados nos presentes autos.

Ante o exposto, voto por anular os atos decisórios posteriores ao recebimento da denúncia, inclusive, e, ato contínuo, declinar da competência para o Foro da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul responsável pela prestação jurisdicional ao Município de Caraá/RS.

Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

D.E. Publicado em 30/04/2009




JURID - Crime contra o meio ambiente. Mata Atlântica. Supressão. [11/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário