Anúncios


terça-feira, 5 de maio de 2009

JURID - Ação revisional de alimentos decorrentes de ilícito civil. [05/05/09] - Jurisprudência


Ação revisional de alimentos decorrentes de ilícito civil. Acidente de trânsito. Possibilidade jurídica do pedido.

Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS.

Primeira Turma Cível

Apelação Cível - Ordinário - N. 2006.016106-9/0000-00 - Corumbá.

Relator - Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.

Apelante - Vanildo Ulle.

Advogada - Fauzia Maria Chueh.

Apelado - Maria Auxiliadora Vuerque Vieira Guimarães.

Advogado - Não consta.

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS DECORRENTES DE ILÍCITO CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - ARTIGO 475-Q, § 3º DO CPC - RECURSO PROVIDO.

O § 3º do artigo 475-Q do CPC e o princípio da dignidade humana, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, autorizam o ajuizamento de ação revisional de alimentos decorrentes de ação civil ex delicto, sob o fundamento de redução da capacidade de pagamento do devedor.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

Campo Grande, 28 de abril de 2009.

Des. Sérgio Fernandes Martins - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins

Trata-se de apelação cível interposta por Vanildo Ulle em face da sentença que indeferiu a inicial da ação revisional que move contra Maria Auxiliadora Vuerque Vieira Guimarães.

Busca o apelante a reforma da sentença, asseverando, para tanto, que (i) "a condenação a que está obrigado o Apelante hoje se mostra exagerada e não pode subsistir, já que o valor que lhe resta de seu salário é insuficiente para suprir as necessidades básicas de sua família, em decorrência da sensível alteração do estado de fato ensejado, conforme fartamente se comprovou com a exordial destes autos" (f. 44); e (ii) "se houve modificação da situação fática, é possível e deve haver alteração da obrigação daquela decorrente, pois a sentença que fixa alimentos, no tocante ao seu quantum, faz apenas coisa julgada formal, jamais material, admitindo, portanto, modificação posterior conforme alteração da situação fática dos envolvidos" (f. 44).

Não há contrarrazões, pois a apelada ainda não foi citada.

VOTO

O Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins (Relator)

Cuida-se de apelação cível interposta contra sentença que indeferiu a inicial da ação revisional, sob o fundamento de que a pensão fixada em sentença proferida em ação de indenização por acidente automobilístico (ilícito civil) não pode ser revisada, sob pena de violação da coisa julgada.

Vale dizer, a questão a ser analisada restringe-se a possibilidade jurídica de ação revisional de pensão/alimentos decorrentes de ilícito civil.

O presente recurso merece provimento.

Com efeito, na esteira da doutrina de grandes mestres da responsabilidade civil, como Rui Stocco e Carlos Roberto Gonçalves, reconheço haver, de fato, dificuldades para admitir a revisão de alimentos decorrentes de ação civil ex delicto sob o fundamento de alteração da capacidade econômica das partes, pois, consoante leciona J. Franklin Alves Felipe, "não teria sentido que, na fixação, se desconsiderasse a situação patrimonial das partes e, depois, na revisão, tais circunstâncias fossem pesadas."(1)

GONÇALVES, aliás, anota que:

"Ora, se o valor fixado na típica ação de alimentos a que se refere o art. 1.694 do CC não transita em julgado, podendo ser revisto quando o beneficiário passa a ter melhores condições financeiras ou o alimentante tem sua capacidade financeira reduzida (CC, art. 1.699), na ação de reparação de danos o valor da pensão a que se referem os arts. 948, II, e 950 transita em julgado e torna-se imutável, até porque no momento em que fixado deverá corresponder, nos termos do último artigo citado, 'à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele (ofendido) sofreu.'"(2) (grifei)

Contudo, em análise à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verifiquei que aquela Corte Superior, em julgamento relatado pela Min. Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade da revisão de alimentos decorrentes de ato ilícito em razão da redução da capacidade de pagamento do devedor com fundamento no princípio da dignidade humana e no §3º do artigo 475-Q do CPC. Referido julgamento, aliás, restou ementado da seguinte forma:

"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de exoneração com pedido sucessivo de revisão de alimentos decorrentes de indenização por ato ilícito. Coisa julgada. Hipóteses autorizadoras da revisão.

- A coisa julgada material se forma sobre a sentença de mérito, mesmo que contenha decisão sobre relações continuativas; todavia, modificadas as situações fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a anterior coisa julgada material, tem-se uma nova ação, fundada em novos fatos ou em novo direito.

- Considerando que a indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944 do CC/02), ao julgador é dado fixar-lhe o valor, quando dele resultar lesão ou outra ofensa à saúde, com base nas despesas de tratamento e nos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido (art. 949 do CC/02). E se da ofensa resultar incapacidade física, a indenização incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que a vítima se inabilitou, ou da depreciação que sofreu (art. 950 do CC/02).

- As duas únicas variações que abrem a possibilidade de alteração do valor da prestação de alimentos decorrentes de indenização por ato ilícito, são: (i) o decréscimo das condições econômicas da vítima, dentre elas inserida a eventual defasagem da indenização fixada; (ii) a capacidade de pagamento do devedor: se houver acréscimo, possibilitará o pedido de revisão para mais, por parte da vítima, até atingir a integralidade do dano material futuro; se sofrer decréscimo, possibilitará pedido de revisão para menos, por parte do próprio devedor, em atenção a princípios outros, como a dignidade da pessoa humana e a própria faculdade então outorgada pelo art. 602, § 3º, do CPC (atual art. 475-Q, § 3º, do CPC).

- Entendimento em sentido contrário, puniria a vítima do ilícito, por ter, mediante esforço sabidamente incomum, revertido situação desfavorável pelas limitações físicas sofridas, com as quais teve que aprender a conviver e, por meio de desafios diários, submeter-se a uma nova vida em que as superações das adversidades passam a ser encaradas sob uma perspectiva totalmente diversa da até então vivenciada. Enfrentar as dificuldades e delas extrair aprendizado é a nova tônica.

- Ou ainda, premiar o causador do dano irreversível, pelos méritos alcançados pela vítima que, mediante sacrifícios e mudanças de hábitos, conseguiu alcançar êxito profissional com reflexos patrimoniais, seria, no mínimo, conduta ética e moralmente repreensível, o que invariavelmente faria aumentar o amplo espectro dos comportamentos reprováveis que seguem impunes."

Recurso especial não conhecido."(3) (destaquei).

De fato, não pode ser olvidado que, em situações excepcionais, a manutenção do valor da pensão pode acarretar sérios prejuízos à subsistência do devedor, avocando, assim, a incidência do princípio da dignidade da pessoa humana para autorizar excepcionalmente essa medida, tal qual restou registrado na mencionada jurisprudência da Corte Superior.

O § 3º do artigo 475-Q (antigo artigo 603) do CPC, por sua vez, dispõe que:

"Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 1º Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 2º O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 3º Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 4º Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário-mínimo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 5º Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas.(Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)" (destaquei).

Por esses motivos, reconheço, portanto, a possibilidade jurídica do pedido de revisão formulado pelo apelante, razão pela qual dou provimento à presente apelação cível.

No mesmo sentido, veja-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça e de outros tribunais pátrios:

"ATO ILÍCITO - INDENIZAÇÃO - ALIMENTOS.

Embora não se confundam com os alimentos devidos em razão do direito de família, tendo caráter indenizatório, de ressarcimento, sujeitam-se a revisão, havendo modificação nas condições econômicas, consoante dispõe o artigo 602, parágrafo 3º do CPC.

Hipótese em que o indexador utilizado teria levado a que prestações devidas sofressem sensível redução seu valor real."(4)

"Indenização por ato ilícito. Possibilidade de revisão. Art. 602, § 3º, do Código de Processo Civil. Precedente da Corte.

1. Nos termos do art. 602, § 3º, do Código de Processo Civil e na linha de precedente da Corte é possível pedir a revisão de pensão decorrente de ato ilícito.

2. Recurso especial conhecido e provido."(5)

"AÇÃO REVISIONAL. PENSIONAMENTO POR ATO ILÍCITO. REVISÃO. CABIMENTO. REDUÇÃO DO VALOR. Cabível a revisão do pensionamento fixado a título de indenização dos danos materiais, decorrentes de ato ilícito, por se tratar de relação jurídica continuativa, sujeita ao princípio rebus sic stantibus. Aplicação do art. 602, § 3º do CPC. Precedentes jurisprudenciais. Alteração posterior da capacidade econômico-financeira da parte, que restou comprovada num primeiro momento. Preenchimento dos requisitos legais para o deferimento do pedido de antecipação de tutela. Redução do valor da pensão para o percentual de 30% a incidir sobre a totalidade da renda mensal do obrigado. APELO PROVIDO PARCIALMENTE."(6)

"PENSÃO ALIMENTÍCIA FIXADA EM DECORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO. REVISÃO. POSSIBILIDADE. PROVA. MODIFICAÇÃO. CONDIÇÕES ECONÔMICAS. Nos termos do artigo 602, §3º, do Código de Processo Civil, e na linha de precedentes do C. STJ, é possível pedir a revisão de pensão decorrente de ato ilícito. Preliminar de coisa julgada rejeitada. Maioria. Vencido o Relator (a exegese do dispositivo legal autoriza a revisão da rentabilidade do capital, ou da caução, não os alimentos). Incumbe à parte alimentante produzir nos autos prova contundente no sentido de demonstrar a superveniente modificação nas suas condições econômicas em relação à época da condenação, de modo a amparar a sua pretensão de redução da pensão fixada. Ante a sua inércia, confirma-se a r. Sentença de improcedência do pedido."(7)

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para tornar insubsistente a sentença recorrida, determinando, por conseguinte, o regular prosseguimento do feito.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Presidência do Exmo. Sr. Des. João Maria Lós.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Fernandes Martins, João Maria Lós e Divoncir Schreiner Maran.

Campo Grande, 28 de abril de 2009. eg

Publicado: 05/05/2009.



Notas:

1 - In Indenização nas obrigações por ato ilícito, 3ª ed., Del Rey, p. 91. [Voltar]

2 - GONÇALVES, Carlos Roberto apud STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed., Revista dos Tribunais, p. 1298. [Voltar]

3 - STJ, REsp 913431/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJe 26/11/2008. [Voltar]

4 - STJ, REsp 22549/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/03/1993, DJ 05/04/1993 p. 5836. [Voltar]

5 - STJ, REsp 207740/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/10/2003, DJ 16/02/2004 p. 241. [Voltar]

6 - TJRS, Apelação Cível Nº 70015066178, Décima Câmara Cível, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 31/08/2006. [Voltar]

7 - TJDFT, 20040910158972APC, Relator GETÚLIO MORAES OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, julgado em 31/05/2006, DJ 29/06/2006 p. 44. [Voltar]




JURID - Ação revisional de alimentos decorrentes de ilícito civil. [05/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário