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sexta-feira, 22 de maio de 2009

JURID - Ação de Indenização. Responsabilidade civil do estado. [22/05/09] - Jurisprudência


Ação de Indenização. Responsabilidade civil do estado. Culpa objetiva.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2008.024270-5, da Capital

Relator: Des. Rui Fortes

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - CULPA OBJETIVA - MORTE DE FILHO POR DISPARO DESPROPOSITADO DE ARMA DE FOGO DURANTE DILIGÊNCIA POLICIAL - CONDENAÇÃO DO POLICIAL NO JUÍZO PENAL - DENUNCIAÇÃO À LIDE ACOLHIDA - DEVER DE INDENIZAR - CULPA CONFIGURADA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA.

De acordo com o § 6º do art. 37 da Constituição Federal, a responsabilidade civil do Estado, por ato de seus agentes, é objetiva, encontrando respaldo na teoria do risco administrativo. Assim, é dever do Estado de indenizar os prejuízos a que houver dado causa, bastando ao lesado a comprovação do evento e do dano, bem como do nexo entre este e a conduta do agente público.

"O reconhecimento da culpabilidade de policial militar na Justiça competente, com a pertinente condenação pela prática de homicídio culposo, encerra as discussões acerca da existência do fato ou do nexo causal em posterior ação indenizatória, razão pela qual o Estado inevitavelmente responderá pelos prejuízos que a ação de seu servidor acarretou" (AC n. 2006.041834-6, da Capital).

Denunciado à lide o policial autor do disparo, cujo comportamento, no exercício de suas funções, foi arbitrário e desproporcional, resta configurado o seu dever de indenizar, razão pela qual deve ser mantida a sentença que condenou o litisdenunciado.

DANOS MORAIS - VERBA DE CARÁTER PREVENTIVO E PUNITIVO - QUANTUM DEBEATUR FIXADO DE MANEIRA MODERADA E CONDIZENTE COM OS FATOS RELATADOS NA INICIAL - ADEQUAÇÃO DOS JUROS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA SENTENÇA.

Para a fixação do dano moral, deve-se levar em conta as condições econômicas das partes, as circunstâncias em que ocorreu o fato, o grau de culpa do ofensor, a intensidade do sofrimento, e, ainda, considerar o caráter repressivo e pedagógico da reparação, além de se propiciar à vítima uma satisfação. A indenização, nestes casos, não tem o efeito de reposição da perda; deve ser delegada ao prudente arbítrio do julgador, sempre com moderação, não podendo se constituir em enriquecimento do beneficiário, nem causar desestabilização financeira ao causador do dano.

Na espécie, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais condiz com a gravidade do evento danoso, mostrando-se suficiente e razoável aos fins a que se destina, ainda que a dor relativa à perda do filho se afigure sabidamente incalculável.

PENSÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA À MÃE DO DE CUJUS - DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA - SÚMULA 490 DO STF - VERBA FIXADA EM 2/3 DO SALÁRIO MÍNIMO DESDE A DATA DO EVENTO ATÉ A DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 25 ANOS - PRECEDENTES - RECURSO DO ESTADO PROVIDO NESSE SENTIDO.

"Em se tratando de família de parcas condições financeiras, em que o filho reside com um dos genitores, há se presumir a contribuição mensal no sustento de todos, particularidade que autoriza a fixação de pensão mensal à mãe" (AC n. 2005.041530-9, de Dionísio Cerqueira).

No entanto, a pensão devida aos pais de filho menor falecido terá como termo final a data em que este completaria 25 (vinte e cinco anos), quando se presume ter contraído matrimônio e constituído nova família, deixando, assim, de colaborar com o sustento do lar.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FAZENDA PÚBLICA VENCIDA - FIXAÇÃO EM 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO - MANUTENÇÃO - INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, SOBRE O DANO MORAL E A SOMA DAS PARCELAS VENCIDAS DA PENSÃO.

Sedimentou-se o entendimento neste Tribunal de que os honorários advocatícios, quando vencida a Fazenda Pública, serão fixados de maneira equânime (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC), não ultrapassando o patamar de 10% sobre o valor da causa ou da condenação, salvo em situações excepcionais.

O cálculo da verba honorária, nos casos de indenização decorrente de ato ilícito, deve incidir, na espécie, sobre o valor dos danos morais e da soma das parcelas vencidas da pensão.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.024270-5, da comarca da Capital (2ª Vara da Fazenda), em que são apelantes e apelados, reciprocamente, o Estado de Santa Catarina e Célia Maria Domingos:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso da autora, dar parcial provimento ao recurso do Estado e reformar parcialmente a sentença em reexame necessário. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Célia Maria Domingos ajuizou ação de indenização contra o Estado de Santa Catarina, relatando que no dia 22 de março de 1988, seu filho, José Carlos Domingos, foi assassinado pelo policial civil Walmor Borges, quando da diligência policial realizada na residência de Pedro Paulo Machado, local onde também se encontrava o filho da autora. Informou que, na ocasião, os agentes policiais, após derrubarem o portão de acesso ao corredor externo da residência, passaram a efetuar disparos de arma de fogo, fato que provocou a fuga de José Carlos e outras pessoas, vindo aquele a ser atingido por um dos disparos. Declarou que o policial Walmor foi condenado à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão, cuja decisão transitou em julgado em 14 de novembro de 1994. Sustentou a responsabilidade objetiva do Estado no evento e, considerando que seu finado filho contribuía para o sustento do lar, pugnou pela condenação do ente público ao pagamento de pensão mensal no valor equivalente a 2 (dois) salários mínimos até a data em que o de cujus completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade; danos morais, em quantia equivalente a 250 (duzentos e cinqüenta) salários mínimos; e danos materiais, consistente no montante utilizado para construção de túmulo; além de custas e honorários.

Citado, o Estado de Santa Catarina apresentou contestação (fls. 49 a 61) argüindo, preliminarmente, prescrição, pois entre a data do óbito do filho da autora (22.3.1988) e a propositura da presente ação (16.9.1998), decorreram mais de 5 (cinco) anos; denunciação à lide do policial civil Walmor Borges; carência de ação por falta de interesse de agir, uma vez que o pedido de pensão é fundado na mera expectativa de que o falecido iria sustentá-la após concluir seus estudos; e inépcia da inicial por manifesta desconexão lógica com os fatos narrados, ao argumento de que a autora, por ser maior de idade, com um filho de 21 anos e sem trabalho fixo, não pode pleiteiar pensão pela morte deste sem provar a efetiva dependência econômica. No mérito, alegou que a autora não comprovou as despesas do túmulo, e que o valor do dano moral é exacerbado, devendo ser fixado de acordo com o livre arbítrio do Juiz, sob pena de enriquecimento ilícito.

Após a réplica (fls. 63 a 67) e a manifestação do Ministério Público (fls. 69 a 79), sobreveio a r. sentença (fls. 87 a 94) que reconheceu a prescrição qüinqüenal e extinguiu o feito, nos termos do art. 269, IV, do CPC, e condenou a autora ao pagamento de custas e honorários, estes fixados em 10% sobre o valor da causa.

Irresignada, a autora apelou alegando que o prazo prescricional teve início na data do trânsito em julgado da sentença condenatória prolatada no processo-crime instaurado contra o policial Walmor Borges (fls. 99 a 104).

A Segunda Câmara de Direito Público, em acórdão da lavra do ilustre Des. Newton Trisotto (fls. 129 a 142), decidiu, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso para anular o processo por considerar que o direito da autora surgiu a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no processo-crime.

Após remessa dos autos à origem, o Magistrado a quo deferiu a denunciação à lide e determinou a citação de Walmor Borges (fls. 151 a 155), que, apesar de devidamente citado (fl. 167), deixou de apresentar contestação (certidão fl. 171v.).

Inquiridas as testemunhas arroladas pela autora (fls. 196 a 199), somente esta apresentou alegações finais (fl. 205).

Sentenciando (fls. 209 a 214), o MM. Juiz julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o Estado ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente a partir da sentença, e acrescido de juros de 0,5% ao mês a contar da data do fato até a vigência do CC/02, quando incidirá apenas a taxa Selic, e de pensão alimentícia no equivalente a 2/3 do salário mínimo, devida desde o evento (22.1.1988) até a data em que a vítima completaria 25 anos, momento em que será reduzida para 1/3, terminando quando a vítima alcançasse 65 anos ou com o falecimento da autora. Determinou que as parcelas vencidas sejam atualizadas desde o vencimento, pelos índices da Corregedoria-Geral da Justiça, acrescidas de juros de 0,5% ao mês, também desde a data do fato até a vigência do CC/02, incidindo a partir daí apenas a taxa Selic. Condenou o réu, ainda, ao pagamento de honorários, que fixou em 10% sobre o valor da condenação, sendo devidos em relação à pensão somente sobre uma anuidade (12 parcelas). A denunciação à lide foi julgada procedente e condenou o litisdenunciado a pagar ao Estado o quanto devido fixado, bem como ao pagamento de honorários, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (fls. 218 a 220) reiterando os argumentos dedilhados na contestação, pugnando pela redução dos danos morais e do percentual fixado a título de honorários advocatícios.

A autora também interpôs recurso de apelação (fls. 229 a 236) requerendo a majoração dos danos morais para o valor correspondente a 200 (duzentos) salários mínimos; a fixação da pensão em 1 (um) salário mínimo vigente à data da sentença (R$ 380,00), que deve ser reduzido para 50% (cinqüenta por cento) na data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos, perdurando esse valor até a data em que completaria 65 anos; o aumento da verba honorária para 20% sobre o valor total da condenação, sem a limitação das parcelas vincendas da pensão a uma anuidade.

Apresentadas as contrarrazões pela autora (fls. 240 a 244), os autos ascenderam a este Tribunal, manifestando-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. João Fernando Q. Borrelli, pela desnecessidade de sua intervenção, ao entendimento da inexistência de interesse público (fls. 256 e 257 - Ato n. 103/04/MP da Procuradoria-Geral de Justiça).

VOTO

I - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

Infere-se da inicial e dos documentos que a acompanham, que no dia 22 de março de 1988, o filho da autora, o menor José Carlos Domingos, foi vítima de homicídio praticado pelo policial civil Walmor Borges.

Os motivos do crime foram relatados na denúncia oferecida pelo Ministério Público (fls. 14 e 15), in verbis:

"[...] na noite do dia 22 de março último, por volta das 21:00 horas, o Policial Civil Valdir Rodrigues recebeu um telefonema anônimo, o qual informava que um táxi acabara de deixar na residência de Pedro Paulo Machado, também conhecido por Pedrinho, na rua Ulysséa, zona de baixo meretrício da cidade, quatro quilos de maconha; que Valdir comunicou o fato ao Delegado Adjunto Dr. Gregório José de Lima Vieira, e após solicitar a presença da Polícia Militar, dirigiram-se para o local os Policiais Civis Alexandre Cidral Bergler, Walmor Borges, Valdir Rodrigues e o Delegado Dr. Gregório José de Lima Vieira.

"[...].

"Nos fundos da cada de Pedrinho, sentados em um velho sofá, estavam: Pedrinho, Adriana, Guilheta e a vítima; que o local onde estavam dava para ter visão de um pedaço da rua, pelo corredor externo, observando os que ali estavam que um carro havia parado defronte o portão que dá acesso ao corredor e sem uma justificativa plausível, viram que do carro saíram três elementos os quais arrebentando o 'portãozinho' que dá acesso ao corredor externo, começaram a disparar suas armas de fogo, ensejando com esta surpreendente e brutal atitude a fuga dos que ali se encontravam, impedindo a saída da vítima Luiz Carlos Domingos (sic), que foi morta sem se afastar do local.

"[...].

"José Carlos Domingos, vulgo Piu-Piu, foi morto por um projétil cal. 38, o qual transfixou o braço direito, dez centímetros acima do cotovelo, penetrando na região malar direita, de baixo para cima, provocando fratura do crânio na região parietal esquerda, indo o projétil se alojar na massa encefálica".

Em razão dos fatos, tramitou a Ação Penal n. 040.88.000003-1, na qual o réu, o policial civil Walmor Borges, foi condenado à pena de 6 (seis) anos e 6 meses de reclusão e à perda da função pública (fls. 20 a 23), tendo este Tribunal, nos autos da Apelação Criminal n. 31.373, reformado parcialmente a sentença apenas para excluir da condenação a perda da função pública (fls. 27 a 34). Tais fatos, portanto, não podem mais ser discutidos na esfera cível, nos termos do art. 1.525 do Código Civil de 1916, vigente na época dos fatos, que corresponde ao atual art. 935 do CC/02, in verbis:

"Art. 1.525. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

A respeito:

"Responsabilidade civil do Estado. Morte por disparo de arma de fogo durante diligência policial. Condenação no Juízo Castrense.

"O reconhecimento da culpabilidade de policial militar na Justiça competente, com a pertinente condenação pela prática de homicídio culposo, encerra as discussões acerca da existência do fato ou do nexo causal em posterior ação indenizatória, razão pela qual o Estado inevitavelmente responderá pelos prejuízos que a ação de seu servidor acarretou" (AC n. 2006.041834-6, da Capital, rela. Desa. Sônia Maria Schmitz, j. 3.10.2007).

Assim, comprovado o homicídio do filho da autora pelo policial civil Walmor Borges, há responsabilidade objetiva do Estado em indenizá-la.

Pois bem, o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no § 6º do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, que assim dispõe:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa".

Diante disso, para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiro seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. Há, dessa forma, evidente responsabilidade objetiva do Poder Público para atos comissivos de seus agentes. É o que se depreende da pertinente lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles:

"O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão" (Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622).

Abordando o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro também elucida que:

"Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público" (Direito Administrativo. 8 Ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 412) .

Destarte, na responsabilidade objetiva basta que seja demonstrado o nexo causal entre o ato comissivo ou omissivo da Administração Pública e o dano. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar.

Na espécie, a relação de causalidade entre a ação do policial Walmor em disparar sua arma de fogo contra o menor falecido encontra-se devidamente comprovada nos autos.

Yussef Cahali, com sua habitual propriedade, explana que:

"[...] Ainda que investido da função de preservar a segurança e manter a ordem social, o policial, portando arma de fogo, natural instrumento perigoso, seja por entrega ou autorização do Estado, não está autorizado ao manuseio disparatado ou imprudente da mesma; de sua má utilização. Resultando danos para os particulares, resulta para o ente público a obrigação de indenizar [...]".

E, adiante, complementa:

"Em realidade, o próprio policiamento preventivo, mesmo sem utilização de arma de fogo, é de ser desempenhado com moderação, escoimado de qualquer violência ou excesso que possa pôr em risco a integridade dos particulares" (Responsabilidade Civil do Estado, Ed. Malheiros, 2ª Ed, p. 520 e 523).

Demonstrado o nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento positivo (ação) do agente público, bem como ausente qualquer causa de exclusão de responsabilidade, impõe-se a obrigação de o Poder Público indenizar, com fundamento na teoria do risco administrativo, consagrada no ordenamento jurídico.

Nesse sentido:

"RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MATERIAIS E MORAIS - MORTE DE ESPOSO E PAI DE FAMÍLIA - DISPAROS DE ARMA DE FOGO DE POLICIAL MILITAR NO EXERCÍCIO REGULAR DE SUAS FUNÇÕES - INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO 6º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEVER DE INDENIZAR.

"Mostrando-se incontestável a presença dos requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil objetiva do Estado, impõe-se a indenização deste, de acordo com redação do parágrafo 6º do art. 37 da CRFB" (AC n. 2008.031869-5, de Chapecó, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 24.9.2008).

A responsabilidade do policial civil Walmor Borges restou devidamente comprovada nos autos, pois, ao realizar uma diligência de apreensão de drogas na residência de Pedro Paulo Machado, onde também estava José Carlos Domingos (vítima), entrou no local disparando sua arma de fogo, sem tomar as devidas cautelas que a situação exigia, ensejando a fuga de 3 (três) pessoas ali presentes, mesma sorte que não teve o falecido.

Logo, tem-se que a conduta do policial civil Walmor Borges foi arbitrária, desarrazoada e desproporcional. Não existia, no caso, qualquer justificativa para que efetuasse o disparo que atingiu o filho da autora. Assim, demonstrado que o policial agiu de forma exorbitante no exercício de suas funções, pressuposto indispensável à configuração do dever de reparação, merece ser mantida a r. sentença que julgou procedente a ação e a denunciação à lide.

A propósito:

"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLÊNCIA ATRIBUÍDA A POLICIAIS MILITARES. DENUNCIAÇÃO DA LIDE ACOLHIDA NO PRIMEIRO GRAU. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. [...]. CULPA DEVIDAMENTE CONFIGURADA. DECISUM QUE SE MANTÉM, POR CONSEGUINTE, INCÓLUME. IMPROVIMENTO.

"1. Para o êxito da denunciação da lide ao agente público, é indispensável a comprovação de sua culpa ou dolo. Só assim a ação regressiva deverá prosperar.

"2. Age com culpa, ou mesmo dolo, o policial militar que excede as funções que lhe foram acometidas" (AC n. 2007.029894-3, da Capital, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 30.8.2007).

Analisa-se, agora, as insurgências recursais quanto aos valores arbitrados pelo Magistrado a quo, a título de danos morais, materiais e honorários advocatícios.

II - DANOS MORAIS

Yussef Said Cahali, acerca do dano moral, explicita:

"Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos: portanto, 'como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos'; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a 'parte social do patrimônio moral' (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a 'parte afetiva do patrimônio moral' (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).

"Ou, como assinala Carlos Bittar, 'qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive atua (o da reputação ou da consideração social)'.

"Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade, no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral" (Dano moral. 3 Ed. atualizada conforme o Código Civil de 2002, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 22 e 23).

Portanto, para a fixação do dano moral, deve-se levar em conta as condições econômicas das partes, as circunstâncias em que ocorreu o fato, o grau de culpa do ofensor, a intensidade do sofrimento, e, ainda, levar em consideração o caráter repressivo e pedagógico da reparação, além de propiciar à vítima uma satisfação. A indenização, nestes casos, como não tem o efeito de reposição da perda, deve ser delegada ao prudente arbítrio do julgador, sempre com moderação, não podendo se constituir em enriquecimento do beneficiário, nem causar desestabilização financeira ao causador do dano.

Nesses termos, tem-se que o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) é condizente com a gravidade do evento danoso, mostrando-se suficiente e razoável para os fins a que se destina, ainda que a dor relativa à perda de filho se afigure sabidamente incalculável. De todo modo, o valor arbitrado auxiliará a autora a recompor seu patrimônio moral, vilipendiado em sua esfera íntima pelo preposto do réu, razão pela qual o quantum fixado não se mostra motivo hábil a ensejar locupletamento indevido.

Sobre o referido montante, a r. sentença determinou a incidência da correção monetária a partir da sentença, e de juros de mora, na razão de 0,5% ao mês, a partir da data do fato até a vigência do CC/02, quando deve incidir apenas a taxa do Selic.

Correto o arbitramento da correção monetária a partir da sentença, já que o Magistrado a quo, ao fixar o valor dos danos morais, atualizou-o até a data da prolação do decisum. Em razão disso, os juros moratórios também devem incidir a partir da sentença pela taxa do Selic, nos termos do art. 406 do CC/2002, motivo pelo qual o índice de correção monetária utilizado para atualização do valor dos danos morais deve ser abolido, passando a incidir, unicamente, a taxa do Selic, índice que comporta ambos os fatores de atualização (juros e correção).

II - DANOS MATERIAIS - PENSÃO

O pensionamento, como é cediço, destina-se a compensar a perda do auxílio material dispensado à autora por seu filho, caso sua vida não tivesse sido interrompida prematuramente.

Na espécie, verifica-se que o autor, à época do falecimento, trabalhava no conserto de pranchas de surf e colaborava nas despesas da casa onde vivia com sua mãe, que era do lar, conforme afirmaram as testemunhas inquiridas em Juízo (fls. 196 a 199). Assim, a pensão mensal é devida, pois é sabido que nas famílias de baixa renda, os filhos exercem atividade remunerada e contribuem para o sustento do lar.

Nesse sentido:

"Pensão alimentar. Dependência econômica da mãe. Valor.

"Em se tratando de família de parcas condições financeiras, em que o filho reside com um dos genitores, há se presumir a contribuição mensal no sustento de todos, particularidade que autoriza a fixação de pensão mensal à mãe" (AC n. 2005.041530-9, de Dionísio Cerqueira, rela. Desa. Substa. Sônia Maria Schmitz, j. 17.7.2007).

No entanto, como não há prova nos autos de quanto o falecido filho da autora recebia com o seu trabalho, o Juízo a quo seguiu a orientação da Súmula 490 do STF e fixou, a título de pensionamento, 2/3 (dois terços) do salário mínimo desde a data do evento (22.3.1988) até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3 (um terço) desde então, encerrando quando a vítima alcançaria 65 (sessenta e cinco) anos ou com o falecimento da autora.

Não se pode olvidar a posição jurisprudencial dominante nesta Corte de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça acerca do termo final da pensão até a data da provável sobrevida que teria a vítima, ou seja, 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Vide: REsp n. 731.764/RS; REsp n. 565.290/SP; REsp n. 514.384/CE; REsp n. 335.058/PR; entre outros.

Contudo, data venia, há entendimento de que a pensão devida aos pais em decorrência da morte de filho, deve ficar restrita à data que completaria 25 anos, idade em que se presume ter contraído matrimônio e constituído nova família, deixando, assim, de colaborar com o sustento do lar.

Tal entendimento não é isolado neste Tribunal.

O ilustre Des. Newton Janke, no julgamento da AC n. 2006.012797-1, de Chapecó, analisou o tema de acordo com a realidade do País, de forma que, dada a sua claridade e objetividade, adotam-se seus fundamentos como razões de decidir, in verbis:

"A questão, todavia, não é pacífica e, sem embargo dos argumentos que se colocam a seu favor, a orientação trilhada pelo STJ comporta fundados reparos.

"Admitida, por presunção, a premissa de que, aos 25 anos, o filho afasta-se da casa de seus pais para constituir família própria ou, mesmo, viver sozinho, nada autoriza supor que continue, salvo situações excepcionais, a contribuir com a manutenção dos genitores. Pelo contrário.

"A ninguém escapa a evidência de que o começo de uma 'vida nova' é marcada por toda sorte de dificuldades e carências, muito mais agudas quando alguém provém de uma família pobre. São despesas com habitação (aluguel ou tentativa de adquirir uma moradia); investimentos para a compra de móveis e eletrodomésticos, gastos, de toda ordem, com o(s) filho(s) gerado(s) pelo casal.

"Nada ou muito pouco sobrará ao final do mês, de tal sorte que, não raras vezes, os filhos, para superar tal quadro de dificuldades, se socorrem com os seus pais, estes que, em regra, já mais idosos, possuem uma vida estabilizada, garantida ou prestes a ser garantida pela aposentadoria.

"Por conta destas circunstâncias que a realidade revela como regra, ainda parece mais consentâneo e correto o entendimento de que o pensionamento dos pais deva perdurar até a data em que a vítima viesse a completar 25 (vinte e cinco) anos de idade".

A partir deste julgado, a Primeira Câmara de Direito Público passou a decidir da seguinte forma:

"AÇÃO INDENIZATÓRIA - PENSIONAMENTO - VERBA DEVIDA DO SINISTRO ATÉ A DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 25 ANOS - TERMO FINAL

"A pensão mensal por morte é devida na razão de 2/3 (dois terços) do salário mínimo até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade. Indenizável é a morte oriunda de ato ilícito ocasionado por chauffer do Município que exercia atividade laborativa, sendo sua família de condição econômica precária, fixando-se a pensão a partir do óbito até os 25 anos, idade em que se pressupõe saísse o filho da companhia dos pais para formar a sua própria família" (AC n. 2006.045081-8, de São José do Cedro, rel. Des. Volnei Carlin, j. 21.6.2007).

Também:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATROPELAMENTO DE MENOR POR PREPOSTO DO MUNICÍPIO. ÓBITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO ATENUADA PELA CONCORRÊNCIA DE CULPAS, COM REFLEXO DIRETO NO VALOR DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS. PROCEDÊNCIA. CULPA DO PREPOSTO, ADEMAIS, RECONHECIDA NA ESFERA CRIMINAL. DIREITO INEQUÍVOCO AOS DANOS MORAIS. PENSIONAMENTO AOS PAIS. LIMITE TEMPORAL: 25 ANOS. PRECEDENTES" (AC n. 2007.037122-3, de Indaial, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 19.10.2007).

Ainda:

"REEXAME NECESSÁRIO - PENSÃO MENSAL À MÃE DA MENOR - FAMÍLIA DE BAIXA RENDA - POSSIBILIDADE - 2/3 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE ENTRE A DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 14 ANOS ATÉ O DIA EM QUE ESTA FARIA 25 ANOS DE IDADE - REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA.

"Durante o lapso temporal entre a data em que o filho falecido faria 14 (quatorze) anos, e a que completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, a pensão deve ser fixada em valor equivalente a 2/3 (dois terços) do salário mínimo vigente.

"'O limite temporal para fixação da pensão deve ser à data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, entendendo-se que a partir daí formaria nova família, à qual prestaria auxílio e alimentação' (Embargos Infringentes n. 2003.030125-9, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, de São Lourenço do Oeste, Grupo de Câmaras Civil, j. 10-5-2004).

"Reforma-se a sentença, em sede de reexame necessário, no que tange ao termo final fixado a título de pensão alimentícia, devendo ser arbitrado até a idade em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos, no valor de 2/3 do salário mínimo vigente, não mais no valor de 1/3 até os 65 (sessenta e cinco) anos de idade" (AC n. 2008.030308-9, de Lages, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 16.7.2008).

Para tanto, importante consignar que as Câmaras de Direito Civil deste Tribunal já adotavam este entendimento. Veja-se:

"EMBARGOS INFRINGENTES - INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - MORTE DE MENOR - TERMO FINAL DA PENSÃO - DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 25 (VINTE E CINCO) ANOS DE IDADE - RECURSO DESPROVIDO.

"O limite temporal para fixação da pensão deve ser à data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, entendendo-se que a partir daí formaria nova família, à qual prestaria auxílio e alimentação" (EI n. 2003.030125-9, de São Lourenço do Oeste, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 10.5.2004).

"PENSÃO MENSAL. MORTE DE FILHO QUE CONTRIBUÍA PARA O SUSTENTO DA FAMÍLIA. PENSÃO DEVIDA. TERMO FINAL DA OBRIGAÇÃO. 25 ANOS. RECURSO PROVIDO PARA AFASTAR DA CONDENAÇÃO O PAGAMENTO DA PENSÃO MENSAL.

"A pensão devida aos pais de filho menor falecido terá como termo final a data em que este completaria 25 (vinte e cinco anos), presumindo-se o exercício de atividade laborativa, além de se supor seu casamento, quando se acredita cessar o auxílio mútuo de pais e filhos (AC n. 1999.013363-0, DJ de 24-3-2003, Rel. Des. Carlos Prudêncio)" (AC n. 2004.019050-6, de Rio do Sul, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 15.5.2007).

"Conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, o filho menor de vítima fatal de acidente de trânsito faz jus ao pagamento de pensão mensal no equivalente a 2/3 (dois terços) da remuneração percebida, pela genitora, ao tempo do evento, devendo vigorar até quando o jovem completar 25 (vinte e cinco) anos, idade até quando estaria sob a dependência da falecida, presumindo-se que, a partir de então, já haveria de ter conquistado a sua independência financeira e, eventualmente, formado novo núcleo familiar" (AC n. 2004.028783-1, de Itajaí, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 20.11.2008).

Dessa forma, reforma-se parcialmente a r. sentença para fixar o termo final da pensão até a data em que o filho da autora completaria 25 (vinte e cinco) anos, permanecendo o termo inicial (data do evento - 22.3.1988) e o valor (2/3 do salário mínimo).

III - DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Por conseguinte, a incidência dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor dos danos morais, da soma das prestações vencidas da pensão e mais 12 (doze) das vincendas, deve ser modificada.

Isso porque, com a limitação do pagamento da pensão até a data em que o filho da autora completaria 25 anos, não há falar em parcelas vincendas da pensão, as quais teriam razão de permanecer se a pensão fosse concedida até a data em que o de cujus completasse 65 anos. Logo, como o de cujus completou 21 anos de idade na data do seu falecimento (22.3.1988 - vide certidões de fls. 36 e 37), as parcelas da pensão devem ser pagas somente até 22.3.1992, data em que completaria 25 anos.

Dessa forma, os honorários advocatícios devem incidir sobre o valor do dano moral e da soma das prestações vencidas da pensão, mantido o seu percentual, pois, de acordo com a jurisprudência desta Corte de Justiça, "os honorários advocatícios, quando vencida a Fazenda Pública, serão fixados de maneira equânime (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC), não ultrapassando o patamar de 10% sobre o valor da causa ou da condenação, salvo em situações excepcionais" (AC n. 2004.027458-0, de Laguna, de minha lavra, j. 29.8.2006).

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso da autora; dá-se parcial provimento ao recurso do Estado para fixar o termo final da pensão até a data em que o filho da autora completaria 25 (vinte e cinco) anos; e reforma-se parcialmente a sentença em reexame necessário, para determinar que os honorários advocatícios, fixados em 10%, incidam sobre o valor dos danos morais e da soma das prestações vencidas da pensão, e que a taxa do Selic incida sobre os danos morais, somente a partir da sentença.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, decidiu a Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso da autora, dar parcial provimento ao recurso do Estado e reformar parcialmente a sentença em reexame necessário.

O julgamento, realizado no dia 17 de março de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Luiz Cézar Medeiros.

Florianópolis, 25 de março de 2009.

Rui Fortes
Relator




JURID - Ação de Indenização. Responsabilidade civil do estado. [22/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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