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domingo, 3 de maio de 2009

JURID - Ação de indenização por danos à saúde. Agravo retido. [30/04/09] - Jurisprudência


Ação de indenização por danos à saúde. Agravo retido. Pretensão em contraditar testemunha rejeitada.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2008.002842-8

Julgamento: 07/04/2009

Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível

Classe: Apelação Cível

Apelação Cível nº 2008.002842-8.

Origem: Vara Única da Comarca de Campo Grande.

Apelante: José Luiz Medeiros.

Advogado: Dr. José Martins Veras (1906/RN).

Apelado: Souza Cruz S/A.

Advogada: Drª. Anízia Maria de Britto Costa (2253/RN).

Relator: Desembargador Expedito Ferreira.

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS À SAÚDE. AGRAVO RETIDO. PRETENSÃO EM CONTRADITAR TESTEMUNHA REJEITADA. PEDIDO FORMULADO QUANDO JÁ INICIADO O DEPOIMENTO TESTEMUNHAL. MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO TEMPORAL. AGRAVO RETIDO CONHECIDO E DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. TRANSFERIDA PARA O MÉRITO. MÉRITO. SENTENÇA QUE NÃO SE ENCONTRA EIVADA DE QUALQUER VÍCIO QUE JUSTIFIQUE SUA NULIDADE. JULGADOR QUE NÃO SE ENCONTRA ADSTRITO A FUNDAMENTAR SUA DECISÃO EM TODOS OS DISPOSITIVOS LEGAIS PONTUALMENTE VENTILADOS PELOS LITIGANTES. REVELIA SUSCITADA PELO APELANTE. INADMISSIBILIDADE. PEÇA DEFENSIDA APRESENTADA NO PRAZO LEGAL E QUE IMPUGNA TODOS OS FATOS ARTICULADOS NA INICIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DEFEITO DO PRODUTO. ATIVIDADE INDUSTRIAL E COMERCIAL PERMITIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. LICITUDE DA CONDUTA DO DEMANDADO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO PRODUTO. PUBLICIDADE DE ACORDO COM AS PRESCRIÇÕES LEGAIS. USO DO PRODUTO POR ESCOLHA VOLUNTÁRIA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas:

Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao agravo retido proposto pela parte demandada, para manter a decisão proferida pelo Juízo singular. Por idêntica votação, em transferir para o mérito a preliminar de nulidade da sentença. Com igual número de votos, em conhecer do recurso interposto, para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo-se a sentença hostilizada, nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por José Luiz Medeiros em face de sentença proferida às fls. 1.936-1953 pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Campo Grande, que, em sede de Ação de Indenização por Danos à Saúde interposta contra a Indústria de Cigarros Souza Cruz S/A., julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

Em suas razões recursais ofertadas às fls. 1.957-2.040, argüi o apelante a preliminar de nulidade da sentença em razão de não ter sido aplicado ao caso em comento a legislação que trata da matéria concernente à responsabilidade civil.

Ressalta, ainda, pela manifestação expressa desta Corte de Justiça, para fins de prequestionamento, dos arts. 1º, II e III, e 5º, II, IV, V, IX, X, XV e XXXV, da Constituição Federal, arts. 186, 187, 927 e 931, do Código Civil, arts. 128, 282, 183, 283, 284, 285, 458 e 460 do Código de Processo Civil, e arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.

No mérito, afirma que não houve impugnação por parte da apelada quanto ao valor atribuído à causa, havendo a aceitação do quantum indenizatório pleiteado.

Alega que foi vítima de câncer de laringe pelo fato de ter sido consumidor por muitos anos dos cigarros fabricados pela empresa apelada.

Pontifica que passou a ser consumidor de cigarros motivado pela publicidade do produto e que esta não alertava para os danos advindos do seu uso.

Argumenta que o câncer de laringe suportado lhe ocasionou a perda de parte das suas cordas vocais.

Alterca que restaram comprovados os danos sofridos, bem como o nexo de causalidade entre estes e a atitude da recorrida, por meio do prontuário médico e a perícia acostados aos autos.

Sustenta que o dano sofrido não foi ocasionada por sua culpa exclusiva, não havendo excludente de ilicitude a eximir a apelada da sua obrigação reparatória, devendo ser aplicado ao caso em tela a teoria da responsabilidade objetiva.

Explica que os depoimentos testemunhais colhidos durante a instrução processual comprovam os fatos alegados na inicial.

Indica que a recorrida teria confessado, em sua contestação, que os cigarros produzidos teriam em sua composição substâncias deletérias à saúde do seu usuário, podendo causar dependência.

Assevera que a apelada mesmo sabendo dos possíveis danos causados pelo seu produto não advertia seus consumidores de tais riscos.

Afirma caber a apelada o ônus de provar que o cigarro não causa dependência nem prejuízo à saúde.

Realça que as indústrias de cigarros omitiam das suas campanhas publicitárias advertências acerca da dependência causada pelo cigarro, assim como as substâncias químicas nocivas que o mesmo continha.

Destaca que a omissão praticada pela apelada afronta aos princípios da boa-fé, da veracidade, da lealdade, da reciprocidade e da transparência, que permeiam as relações de consumo.

Assenta que as indústrias de cigarros não revelam a verdadeira composição do cigarro.

Explica que a apelada teria praticado ilícito ao utilizar-se de espécie de planta de fumo alterado geneticamente a fim de causar maior dependência do usuário ao seu produto.

Requer, ao final, que seja dado conhecimento e provimento ao apelo interposto a fim de reformar a sentença prolatada, condenando a parte apelada ao pagamento de indenização nos termos propostos na inicial.

Pugna ainda pela decretação da revelia da recorrida sob o fundamento de que a contestação oferecida não possui nenhum fundamento jurídico.

Intimada, a empresa apelada apresentou contra-razões do apelo às fls. 2.045-2.091, alegando não proceder a alegação de revelia, uma vez que apresentou contestação em que rebate todas as alegação formuladas pelo demandante, inclusive o valor da indenização pleiteada.

Aduz que não se utiliza de substâncias ilícitas para a fabricação de cigarros, uma vez que segue rigorosamente os padrões estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Sustenta que as substâncias encontradas nos cigarros são precisamente as mesmas que constam em seus maços.

Assevera que não se utilizou da espécie de fumo Y-1 na produção de cigarros, não sendo esta resultado de procedimentos de engenharia genética, mas fruto de técnicas de procriação convencionais.

Afirma que não se aplica ao presente caso as regras contidas nos Novo Código Civil, visto que o dano alegado antecede a data da entrada em vigor deste diploma legal.

Indica que a sentença proferida não guarda qualquer vício que pudesse ensejar sua nulidade, não possuindo o Julgador singular a obrigatoriedade em citar dispositivos legais quando a motivação apresentada for suficiente para a compreensão dos seus fundamentos.

Realça que não houve julgamento extra petita, posto que o julgamento se deu nos exatos limites do pedido, no caso, indeferindo a pretensão autoral.

Ressalta que foi aplicada teoria da responsabilidade objetiva, concluindo-se pelo não preenchimento dos seus requisitos essenciais em razão da ausência de defeito no produto e da culpa exclusiva da vítima.

Alterca que o cigarro não é um produto defeituoso apenas pelo fato de estar associado possíveis riscos à saúde.

Destaca que vem divulgando satisfatoriamente em seu produto os riscos advindos do seus uso.

Assevera que à época em que o apelante começou a fumar, em 1954, não havia obrigação legal quanto à veiculação de alertas sobre o consumo do cigarro.

Explica que há várias décadas o potencial nocivo do cigarro vem sendo divulgado pelos meios de comunicação.

Pondera que não configura defeito de informação a ausência nos maços de cigarros dos nomes de todas as substâncias que aparecem na composição do produto e na sua fumaça.

Ressalta que também inexiste abuso de direito, uma vez que a atividade desempenhada encontra-se em conformidade com os ditames legais.

Aduz inexistir provas de que o apelante teria começado a fumar cigarros em decorrência da publicidade.

Pondera que os danos eventualmente decorrentes do ato de fumar não são indenizáveis, posto que se trata de conduta que se insere na esfera do livre arbítrio do indivíduo, sendo os danos causados pela sua prática culpa exclusiva da vítima.

Explica que não restou comprovado que foi apenas o consumo de cigarros que teria ocasionado o câncer de laringe suportado, bem como que os cigarros consumidos teriam sido os exclusivamente da sua produção.

Assevera que não foi provado o nexo de causalidade entre o consumo de cigarro e o câncer de laringe suportado pelo apelante.

Ressalta que também afasta o nexo de causalidade o fato do apelante encontrar-se curado do câncer, assim como ter preservado sua voz.

Alega que não foi invertido o ônus da prova, nem seria tal medida necessária em face de terem sido produzidas as provas pleiteadas pelo apelante.

Requer, preliminarmente, que seja julgado o agravo retido interposto no decorrer do processo, bem como sejam reapreciadas as preliminares argüidas em sede de defesa no caso de reforma da sentença.

Pugna, no mérito, pelo desprovimento do apelo para que seja mantida a sentença exarada em todos os fundamentos.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 16ª Procuradoria de Justiça, em parecer emitido às fls. 2.177-2.178, assegura inexistir interesse público que justifique sua intervenção no feito.

É o que importa relatar.

VOTO

Inicialmente cumpre analisar o agravo retido interposto pela apelada e a matéria preliminar argüida pelo apelante.

AGRAVO RETIDO INTERPOSTO PELA APELADA

Restando atendidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

O cerne meritório da presente demanda cinge-se na irresginação da agravante, ora demandada, em face de ter sido indeferida pelo Juízo singular a sua pretensão em contraditar a testemunha Osvaldo Fernandes Costa arrolada pelo agravado, ora demandante.

Sabe-se que é permitido a parte contraditar testemunha no intuito de argüir seu impedimento, incapacidade ou suspeição para depor, nos termos do art. 414, § 1º, do Código de Processo Civil.

Transcrevo o referido dispositivo:

Art. 414. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por inteiro, a profissão, a residência e o estado civil, bem como se tem relações de parentesco com a parte, ou interesse no objeto do processo.

§ 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que Ihe são imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até três, apresentada no ato e inquiridas em separado. Sendo provados ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha, ou Ihe tomará o depoimento, observando o disposto no art. 405, §4º.

Entretanto, cumpre ressaltar que a parte para contraditar testemunha deve proceder com tal medida antes de iniciado seu depoimento sob pena de preclusão.

Explica Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que "a contradita deve ser levantada lodo após a qualificação da testemunha, podendo ser argüida até o momento imediatamente anterior ao início do depoimento. Iniciado este estará preclusa a faculdade de contraditar a testemunha" (Código de processo civil comentado, 9ª ed. p. 563).

Analisando-se o caso em comento percebe-se que o agravante buscou contraditar a testemunha em momento inoportuno, uma vez que já havia iniciado seu depoimento.

Percebe-se do termo de audiência de instrução à fl. 1.569 que quando da oportunidade das reperguntas pelo advogado da parte ré, ou seja, após iniciado o depoimento do Sr. Osvaldo Fernandes Costa, aquele pretendeu contraditar a testemunha, sendo tal pleito indeferido pelo Juízo singular sob o fundamento de ocorrência de preclusão.

Neste sentido, verifica-se carecer de razoabilidade a pretensão recursal, inexistindo motivos para a reforma do julgado proferido, visto que o recorrente se encontrava impossibilitado de contraditar testemunha em face da preclusão temporal.

Ante o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do agravo retido, mantendo-se a decisão proferida pelo Juízo singular, nos termos do voto do relator.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA ARGÜIDA PELO APELANTE

Conforme relatado em linhas anteriores, suscitou o recorrente questão preliminar de nulidade da sentença proferida em razão desta não ter sido fundamentada com base na legislação que trata da matéria concernente à responsabilidade civil.

Observa-se, todavia, que a questão em tela não se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso, mas, ao revés, confunde-se com o próprio mérito recursal, razão pela qual voto pela transferência de sua respectiva análise para quando da apreciação deste.

MÉRITO

Restando atendidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Cinge-se o mérito debatido nos presentes autos em perquirir acerca da existência de responsabilidade civil da parte apelada, na análise de nulidade de julgamento por ausência de fundamentação, bem como na ocorrência de revelia da parte demandada.

Preambularmente, cumpre analisar a argüição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, sob a alegação de que aquela não se encontra lastreada por dispositivos da Constituição Federal, do Código Civil, do Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Compulsando-se os autos, constata-se que o decisum atacado perquiriu acerca dos pontos deduzidos na lide, fundamentando, satisfatoriamente, as questões suscitadas, de forma que inexiste eiva no mesmo.

O fato do julgado não ter mencionado expressamente todos os dispositivos legais suscitados pelo apelante não se erige como motivo para que se reconheça a falta de fundamentação no julgado, na medida em que a livre convicção acerca da matéria discutida processualmente se insurge como uma das prerrogativas outorgadas ao magistrado.

É por demais consabido que o Órgão Julgador não se encontra adstrito aos dispositivos legais ventilados pelos litigantes, desde que o ato decisório esteja devidamente fundamentado, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - INDICAÇÃO DE BENS À PENHORA - RECUSA PELO CREDOR - POSSIBILIDADE - BENS DE DIFÍCIL COMERCIALIZAÇÃO - PRECEDENTES - NÃO-OBRIGATORIEDADE DE INDICAÇÃO DE NOVOS BENS PELO EXECUTADO. (...). 2. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada. Aplica o magistrado ao caso concreto a legislação por ele considerada pertinente. Inocorrência de violação ao art. 535 do CPC." (REsp 787.339/SP, da Segunda Turma do STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 19.06.2007, p. 29.06.2007).

No feito em tela, a sentença proferida encontra-se devidamente fundamentada, abordando os temas levantados no transcorrer processual e distribuindo a solução jurídica a todos eles, carecendo, por óbvio, de razoabilidade a asserção feita pela parte apelante de ausência de fundamentação.

Pugna também a recorrente pela decretação da revelia da promovida, em face do não aproveitamento da peça contestatória, uma vez que suas alegações não encontram respaldo fático e jurídico.

A revelia não pode ser decretada in casu. É que esta só ocorre e produz seus efeitos quando há ausência de contestação, o que não se verifica nos presentes autos, de acordo com a dicção legal do art. 319, da Lei Adjetiva Cível:

"Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor".

Lecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery que revelia "é a ausência de contestação. Caracteriza-se quando o réu: a) deixa transcorrer em branco o prazo para a contestação; b) contesta intempestivamente; c) contesta formalmente mas não impugna os fatos narrados pelo autor na petição inicial. Pode ser total ou parcial, formal ou substancial. Há revelia parcial quando o réu deixa de impugnar algum ou alguns dos fatos articulados pelo autor na vestibular. Há revelia formal quando não há formalmente a peça de contestação ou quando é apresentada intempestivamente. Há revelia substancial quando, apesar de o réu ter apresentado a peça, não há conteúdo de contestação, como, por exemplo, quando o réu contesta genericamente, infringindo o CPC 302 caput" (In. Código de Processo Civil Comentado, p. 783).

Na hipótese em tela, não se encontra qualquer irregularidade hábil a ensejar a decretação da revelia, posto que a peça defensiva foi apresentada no prazo legal e impugnou todos os fatos articulados na proemial, obedecendo ao princípio do ônus da impugnação especificada.

Desta feita, impossível decretar-se a revelia, sendo a contestação idônea para atingir os fins almejados, de modo que não procede tal pretensão recursal.

Resta perquirir acerca do mérito propriamente dito, notadamente quanto a aludida responsabilidade civil da empresa apelada face os danos suportados pelo apelante.

Mister consignar que se aplica à situação em tela os dispositivos emanados do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a relação jurídico-material estabelecida entre as partes litigantes é dotada de caráter de consumo.

Determina o Código de Defesa do Consumidor, que a responsabilidade pelo fato do produto é objetiva, consoante prescreve em seu art. 12, in verbis:

"Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação".

Embora não se exija prova da culpa, mister a demonstração de que o produto mencionado é defeituoso para que se possa impor a obrigação de indenizar.

No feito em epígrafe, a atividade industrial de cigarros é permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro e referido produto não apresenta os vícios apontados na legislação para caracterizá-lo como defeituoso, como explanado na sentença recorrida.

Tanto a produção quanto a comercialização de cigarros são práticas que não configuram atos ilícitos, uma vez que inexiste violação a dever jurídico, mormente por se caracterizarem como exercício regular de um direito.

Adite-se, por conveniente, que o uso do referido produto constitui livre arbítrio de seus consumidores, questão de escolha pessoal, uma vez que ninguém é obrigado a fumar ou a continuar fumando, tendo também liberdade de escolha para obstar o uso do produto.

Não se pode olvidar, ainda, de que os males que a utilização reiterada do cigarro provocam são de conhecimento público, não se admitindo como justificativa para excluir a culpa do apelante sua ignorância, de maneira que o costume no uso do produto não pode ser imputado à publicidade de seus fabricantes.

Ademais, a prova do nexo de causalidade deve estar cristalina para a configuração da responsabilidade civil, o que não se constata no presente caso.

O arcabouço probatório produzido neste caderno processual, como exames médicos realizados e depoimentos testemunhais, não demonstrou o liame entre a conduta da apelada e os males que acometeram o apelante necessário à caracterização da responsabilidade objetiva, com supedâneo no Código de Defesa do Consumidor, de maneira que resta impossível impor a obrigação do dever de indenizar.

Importa assinalar, também, que não se pode afirmar que o uso do cigarro seja condição sine qua non para a ocorrência do câncer que acometeu seu usuário e que a literatura médica acostada pelo apelante seja suficiente para demonstrar o nexo de causalidade no caso concreto.

Neste diapasão, já julgou este Tribunal de Justiça:

"EMENTA: CIVIL, CONSTITUCIONAL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS À SAÚDE. MALEFÍCIOS À SAÚDE CAUSADOS PELO HÁBITO DE FUMAR CIGARROS. ALEGADA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FABRICANTE DO PRODUTO. PROPAGANDA ENGANOSA. OMISSÃO POR NÃO INFORMAR ACERCA DOS DANOS PROVOCADOS PELO FUMO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. HÁBITO DE FUMAR. LIVRE ARBÍTRIO. EXERCÍCIO DE VONTADE PRÓPRIA. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO PARQUET. PRECEDENTES TJ/RN, TJ/DFT, TJ/RS E TJ/SP. - O hábito de fumar ou consumir qualquer tipo de tabaco, é ato de puro e livre arbítrio do fumante, não sendo possível imputar qualquer tipo de culpa à empresa fabricante de cigarros." (AC nº 2008.002843-5, da 1ª Câmara Cível do TJRN, rel. Des. Vivaldo Pinheiro, j. 12.08.2008).

"EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA, DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO E DE CONFIGURAÇÃO DA REVELIA. REJEIÇÃO. TABAGISMO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. RESULTADO DANOSO ATRIBUÍDO ÀS EMPRESAS FUMAGEIRAS EM VIRTUDE DA COLOCAÇÃO NO MERCADO DE PRODUTO SABIDAMENTE NOCIVO, INSTIGANDO E PROPICIANDO SEU CONSUMO, POR MEIO DE PUBLICIDADE ENGANOSA. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O REQUERENTE FUMA CIGARROS DA PROMOVIDA, OU DE QUE SUA DOENÇA TEM COMO CAUSA O FUMO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES. - O consumidor não é obrigado a consumir os produtos à venda no mercado. Se o faz, pratica ato de seus exclusivos arbítrio e responsabilidade. Logo, posteriormente, não pode atribuir ao produtor a culpa por tê-los consumido, de forma que o fato de alguém fumar durante anos e contrair câncer de laringe e esôfago não autoriza o pedido de indenização sem provar o nexo de causalidade entre a prática do tabagismo e o surgimento da moléstia. - Não havendo nexo causal comprovado entre a doença do autor e o consumo de cigarros, não se justifica, em tal hipótese, a imposição do dever de indenizar ao fabricante, ainda mais quando se constata que a perícia médica levada a efeito aponta ser o mesmo portador de outros fatores de risco." (AC nº 2007.006680-3, da 3ª Câmara Cível do TJRN, rel. Juiz Convocado Francisco Seráphico, j. 11.12.2007).

Cumpre destacar, ainda, a licitude da publicidade veiculada quanto ao uso do cigarro. A legislação específica - Lei n° 9.294/96 - resta obedecida, não havendo abusividade ou enganosidade em seu teor.

Quanto às omissões mencionadas pelo recorrente, não se constatam na prolatação da sentença, posto que a valoração das provas ocorreu com fulcro no princípio do livre convencimento motivado, bem como o decisum atacado resta fundamentado com a legislação pertinente.

Insta fixar, também, que a Legislação Consumerista possui o mesmo qualificativo das leis em geral - a abstratividade, de forma que sua existência não autoriza sempre e necessariamente à procedência de pedidos baseados em relações de consumo.

Acresça-se que a permissão legal para o desenvolvimento da indústria e do comércio tabagista obsta a pretensão da apelante de configurar ilicitude dessas condutas em razão de desrespeito à vida e à saúde.

No que atine ao ônus da prova, sua inversão não constitui obrigatoriedade do Magistrado, sendo condicionada à existência dos requisitos da verossimilhança das alegações do autor e sua hipossuficiência.

Concretamente, independentemente do ônus da prova, a pretensão da postulante não encontra respaldo fático e jurídico, de forma que havendo inversão ou não do encargo probatório o resultado do processo seria idêntico.

Deste modo, demonstrada a atividade empresarial lícita realizada pela empresa apelada no que se refere à produção de cigarros, não se configurando propaganda abusiva, haja vista que o correspondente uso do produto mencionado manifesta-se em ato de livre e espontânea vontade do autor, não há razões justificadoras da reforma da sentença recorrida.

Em face da ausência de modificação no decisum, deixo de apreciar as alegações da recorrida quanto à matéria preliminar argüida em sede de contestação, conforme requerimento formulado nas contra-razões do apelo, posto que condicionada à verificação daquela.

De resto, analisando as razões recursais, constata-se que o recorrente promove o prequestionamento dos temas tratados nos arts. 1º, II e III, e 5º, II, IV, V, IX, X, XV e XXXV, da Constituição Federal, arts. 186, 187, 927 e 931, do Código Civil, arts. 128, 282, 183, 283, 284, 285, 458 e 460 do Código de Processo Civil, e arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Quanto ao art. 1º, incisos II e III, da Constituição Federal, observa-se não haver qualquer ofensa aos fundamentos da República Federativa, destacadamente a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Em relação ar. 5º, inciso II, IV, V, IX, X, XV e XXXV da Carta Magna, percebe-se que não houve violação a nenhum dos direitos e garantias individuais previstas nos referidos incisos.

No referente aos arts. 186 e 187 do Código Civil, infere-se que não houve ofensa aos seus conteúdos, posto que não se verificou a prática de ato ilícito por parte da empresa apelada.

Acerca dos arts. 927 e 931, também do Código Civil, não se dessume qualquer desrespeito a tais dispositivos, uma vez que em não sendo praticado ato ilícito nem tendo sido demonstrado nexo de causalidade entre este e os danos sofridos inexiste a obrigação da apelada em indenizar.

Da mesma forma, não há que se falar em ofensa ao disposto no art. 128 do Código de Processo Civil, visto que o julgamento proferido encontra-se dentro dos limites propostos, não tendo sido conhecido pelo Julgador singular de questões não suscitadas pela parte.

Também não se verifica infringência aos arts. 183, 282 e 283, 284 e 285 do CPC, uma vez que foram respeitados os prazos previstos em lei, não havendo tentativa de prorroga-los ou reduzi-los, assim como encontram-se preenchidos os requisitos da petição inicial, estando esta em consonância com a lei processual.

Quanto aos arts. 458 e 460 do CPC, não se verifica ofensa aos seus conteúdos, estando a sentença proferida em conformidade com as exigências legais, tendo preenchidos seus requisitos e sendo proferido de acordo com a natureza do pedido.

Igualmente, não se vislumbra afronta ao art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, posto que não houve escusa por parte da apelada em cumprir a lei sob o argumento de desconhecê-la.

Finalmente, inexiste infringência aos arts. 4º, 5º e 6º da LICC, não havendo omissão da lei quanto a matéria que versa nos presentes autos, tendo sido a mesma aplicada em atendimento aos fins sociais a que se destina e às exigências do bem comum, bem como quando da sua entrada em vigor se respeitou o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Ante o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento da apelação cível interposta, mantendo-se a sentença proferida pelo Juízo de primeira instância, nos termos do voto do relator.

É como voto.

Natal, 07 abril de 2009.

DESEMBARGADOR CRISTÓVAM PRAXEDES
Presidente

DESEMBARGADOR EXPEDITO FERREIRA
Relator

Dr. PAULO ROBERTO DANTAS DE SOUZA LEÃO
13º Procurador de Justiça




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