Anúncios


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Informativo STF 545 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 4 a 8 de maio de 2009 - Nº 545.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo

SUMÁRIO

Plenário
IPI: Isenção ou Alíquota Zero e Compensação de Créditos - 6
IPI: Isenção ou Alíquota Zero e Compensação de Créditos - 7
Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 1
Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 2
Repercussão Geral
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 1
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 2
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 3
1ª Turma
Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 3
Fiador e Penhorabilidade do Bem de Família
Representação Processual e Cópia não Autenticada
Graduação de Posto e Ausência de Direito Adquirido
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Pontuação em Concurso Público - 1
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Pontuação em Concurso Público - 2
2ª Turma
Repercussão Geral
Transcrições
Prisão Cautelar - Gravidade do Delito - Reforço de Argumentação pelo Tribunal - Inadmissibilidade (HC 98862 MC/SP)
Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução (RE 578543/MT)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

IPI: Isenção ou Alíquota Zero e Compensação de Créditos - 6

Antes da vigência da Lei 9.779/99, não era possível o contribuinte se creditar ou se compensar do IPI quando incidente o tributo sobre os insumos ou matérias-primas utilizados na industrialização de produtos isentos ou tributados com alíquota zero. Essa foi a orientação firmada pela maioria do Tribunal ao prover dois recursos extraordinários interpostos pela União contra acórdãos do TRF da 4ª Região que reconheceram o direito de compensação dos créditos do IPI em período anterior ao advento da referida lei — v. Informativo 511. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator. Observou o relator que, ante a sucessividade de operações versadas nos autos, perceber-se-ia o não envolvimento do princípio da não-cumulatividade, conclusão essa que decorreria da circunstância de o inciso II do § 3º do art. 153 da CF surgir pedagógico ao revelar que a compensação a ser feita levará em conta o que devido e recolhido nas operações anteriores com o cobrado na subseqüente. Para ele, atentando-se apenas para o princípio da não-cumulatividade, se o ingresso da matéria-prima ocorre com incidência do tributo, há a obrigatoriedade do recolhimento, mas, se na operação final verifica-se a isenção, não existirá compensação do que recolhido anteriormente em face da ausência de objeto. Frisou que o que o aludido dispositivo constitucional contempla é a compensação, considerando os valores devidos, ou seja, o que recolhido anteriormente e o que é cobrado na operação subseqüente. Asseverou, ademais, salientando mostrar-se uno o sistema tributário, a necessidade de se levar em conta que, no tocante ao ICMS, a Constituição Federal seria explícita ao prever que a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (CF, art. 155, § 2º, II, a). Em razão desse contexto a revelar o sistema, somente em 1999, até mesmo em observância à exigência instrumental do § 6º do art. 150 da CF, teria vindo à balha a Lei 9.779/99, estabelecendo o que seria a compensação, com outros tributos, considerada a mesma pessoa jurídica, de possível crédito, e remetendo à Lei 9.430/96. Daí, antes da Lei 9.779/99 não haveria base, quer sob aspecto interpretativo em virtude do princípio da não-cumulatividade, quer sob o aspecto legal expresso, para concluir-se pela procedência do direito ao creditamento, tendo em conta a isenção. Em síntese, presente o princípio da não-cumulatividade — do qual só se poderia falar quando houvesse a dupla incidência, sobreposição —, a possibilidade de o contribuinte se creditar, na situação analisada, somente teria surgido com a edição da Lei 9.779/99. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Cezar Peluso, que desproviam o recurso. Vencido, em parte, o Min. Eros Grau que lhe provia parcialmente, ao fundamento de que apenas no caso da isenção, que é benefício fiscal, e não no da alíquota zero, técnica fiscal, seria justificável, no período anterior à vigência da Lei 9.779/99, a manutenção do crédito discutido.
RE 460785/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 6.5 2009. (RE-460785)
RE 562980/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 6.5 2009. (RE-562980)

IPI: Isenção ou Alíquota Zero e Compensação de Créditos - 7

Na mesma linha da orientação acima fixada, o Tribunal, por maioria, proveu recurso extraordinário em que também se discutia a possibilidade de o contribuinte se compensar dos créditos do IPI quando incidente o tributo sobre os insumos ou matérias-primas utilizados na industrialização de produtos tributados com alíquota zero — v. Informativo 522. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Cezar Peluso, que desproviam o recurso.
RE 475551/PR, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 6.5.2009. (RE-475551)

Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 1

O Tribunal iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários interpostos pela Organização das Nações Unidas - ONU, por seu Programa para o Desenvolvimento - PNUD, e pela União nos quais se analisa a existência, ou não, de imunidade de jurisdição e de execução para as organizações internacionais. Na espécie, o juízo da 1ª Vara Federal do Trabalho de Cuiabá-MT, afastando a imunidade de jurisdição expressamente invocada pela ONU/PNUD, com base, dentre outros, na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50, julgara procedente reclamação trabalhista contra ela ajuizada pelo ora recorrido — que para ela trabalhara em projeto desenvolvido no Estado do Mato Grosso - PRODEAGRO, na função de monitor técnico de licitações —, condenando-a ao pagamento de diversas verbas trabalhistas. A sentença, entretanto, reconhecera a imunidade de execução da reclamada e a necessidade da renúncia expressa para o seu afastamento. Interposto recurso ordinário pelo reclamante, o TRT da 23ª Região ratificara o entendimento pela inexistência de imunidade de jurisdição em causas trabalhistas e ainda afastara a imunidade à execução do julgado. Após o trânsito em julgado dessa decisão e o início da fase executória, a ONU/PNUD ajuizara ação rescisória perante aquela Corte regional, com fundamento no art. 485, V, do CPC, sustentando violação literal ao disposto na aludida Convenção. O pedido rescisório fora julgado improcedente, o que ensejara a interposição de recurso ordinário. Os apelos extremos impugnam o acórdão do TST que negara provimento a esse recurso ordinário, ao fundamento de que a Justiça do Trabalho, nos termos do que previsto no art. 114 da CF, seria competente para processar e julgar demandas envolvendo organismos internacionais, decorrentes de qualquer relação de trabalho. Alega a ONU/PNUD que a decisão recorrida ofende os artigos 5º, II, XXXV, LII e § 2º, e 114, caput, da CF, e declara a inconstitucionalidade da citada Convenção. Por sua vez, a União aponta afronta aos artigos 5º, LIV, § 2º, 49, I, 84, VIII, e 114, da CF.
RE 578543/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-578543)
RE 597368/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-597368)

Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 2

A Min. Ellen Gracie, relatora, conheceu em parte dos recursos, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para, reconhecendo a afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, julgar procedente o pleito formulado na ação rescisória, a fim de desconstituir o acórdão do TRT da 23ª Região e reconhecer a imunidade de jurisdição e de execução da ONU/PNUD. Entendeu, em síntese, que o acórdão recorrido ofende tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que confere interpretação extravagante ao primeiro, no sentido de que ele tem o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista, bem como despreza o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que asseguram a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista da Min. Cármen Lúcia. Leia o inteiro teor do voto da relatora no RE 578543/MT na seção “Transcrições” deste Informativo.
RE 578543/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-578543)
RE 597368/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-597368)

REPERCUSSÃO GERAL
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 1

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se examina se o Ministério Público tem legitimidade, ou não, para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal — v. Informativo 510. Trata-se de recurso que impugna acórdão do STJ que afastara essa legitimidade do parquet. Alega o Ministério Público, na ação civil pública sob exame, que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, deixando de observar os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto regulamentar, teria editado a Portaria 292/99, que estabeleceu percentuais de crédito fixos para os produtos que enumera, tanto para as saídas internas quanto para as interestaduais, reduzindo, com isso, o valor que deveria ser recolhido a título de ICMS. Sustenta que, ao fim dos 12 meses de vigência do acordo, o Subsecretário da Receita do DF teria descumprido o disposto no art. 36, § 1º, da Lei Complementar federal 87/96 e nos artigos 37 e 38 da Lei distrital 1.254/96, ao não proceder à apuração do imposto devido, com base na escrituração regular do contribuinte, computando eventuais diferenças positivas ou negativas, para o efeito de pagamento. Afirma, por fim, que o TARE em questão causou prejuízo mensal ao DF que variam entre 2,5% a 4%, nas saídas interestaduais, e de 1% a 4,5%, nas saídas internas, do ICMS devido.
RE 576155/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.5.2009. (RE-576155)

Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 2

Preliminarmente, o Tribunal indeferiu o pedido de adiamento do julgamento. Quanto ao mérito, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, deu provimento ao recurso. Entendeu que a ação civil pública ajuizada contra o citado TARE não estaria limitada à proteção de interesse individual, mas abrangeria interesses metaindividuais, pois o referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que, por si só, legitimaria a atuação do parquet, tendo em conta, sobretudo, as condições nas quais foi celebrado ou executado esse acordo (CF, art. 129, III). Reportou-se, em seguida, à orientação firmada pela Corte em diversos precedentes no sentido da legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses metaindividuais, do erário e do patrimônio público. Asseverou não ser possível aplicar, ao caso, o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, que veda que o Ministério Público proponha ações civis públicas para veicular pretensões relativas a matérias tributárias individualizáveis, visto que a ação civil pública, na espécie, não teria sido ajuizada para proteger direito de determinado contribuinte, mas para defender o interesse mais amplo de todos os cidadãos do Distrito Federal, no que respeita à integridade do erário e à higidez do processo de arrecadação tributária, o qual apresenta natureza manifestamente metaindividual. No ponto, ressaltou que, ao veicular, em juízo, a ilegalidade do acordo que concede regime tributário especial à certa empresa, bem como a omissão do Subsecretário da Receita do DF no que respeita à apuração do imposto devido, a partir do exame da escrituração do contribuinte beneficiado, o parquet teria agido em defesa do patrimônio público.
RE 576155/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.5.2009. (RE-576155)

Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE - 3

Em divergência, o Min. Menezes Direito desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau. Inicialmente, rejeitou a preliminar argüida pela defesa da empresa recorrida no que concerne ao conhecimento do recurso extraordinário, por tratar-se de matéria eminentemente infraconstitucional, ou seja, em torno da legitimação ativa do Ministério Público em face do disposto na Lei 7.347/85. Frisou ter sido tal alegação superada quando do julgamento da questão de ordem em que se dera a repercussão geral, dado que se entendera que a matéria comportaria, por ser de direito, o exame do STF. No mérito, considerou incidir, na espécie, o aludido parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, haja vista ser a ação civil pública analisada uma dentre mais de 700 ações que combatem, especificamente, termos de ajustes no que tange ao regime tributário especial de apuração do ICMS, salientando que os beneficiários podem ser, inclusive, individualmente determinados. Salientou, ademais, que essa ação teria como fundamento a articulação de inconstitucionalidade de lei distrital no que diz respeito à instituição desse regime tributário especial de apuração de ICMS, e que a ação civil pública não poderia ter essa serventia. Por fim, afirmou ser necessário levar em conta que, como os beneficiários podem ser individualmente determinados, evidentemente de direito metaindividual não se cuidaria, porque o direito metaindividual, neste caso, estaria substituído pelo tópico específico em que as ações são postas e o ataque é feito. Por outro lado, aduziu que a instituição de regimes especiais tributários seria uma questão de política tributária, a qual estaria ao alcance dos Estados federados, seria editada por lei e, portanto, obedeceria ao sistema de oportunidade e conveniência, concluindo que, se porventura essa legislação que cria o regime especial tributário fosse inconstitucional, certamente caberia contra ela o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
RE 576155/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.5.2009. (RE-576155)


PRIMEIRA TURMA

Honorários Advocatícios e Limites da Coisa Julgada - 3

Por entender caracterizada, na espécie, ofensa reflexa à Constituição, a Turma, em conclusão de julgamento, não conheceu, por maioria, de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul que, ao fundamento de se tratar de mera correção de erro material, confirmara a utilização do valor da causa como parâmetro para o cálculo de honorários advocatícios, embora a parte dispositiva da decisão do tribunal local tivesse utilizado a expressão “valor da execução” — v. Informativo 403. Considerou-se que, no caso, a pretensão da empresa recorrente reportar-se-ia a normas constantes do CPC. Aplicou-se, no ponto, mutatis mutandis, o Enunciado 636 da Súmula do STF. Salientou-se que, ainda que se pudesse examinar o mérito do recurso, o resultado seria o desprovimento, afirmando que não haveria que se falar em violação à coisa julgada, já que o acórdão recorrido apenas corrigira erro material, sem modificação do conteúdo do pronunciamento judicial. Nesse sentido, concluiu-se que a motivação do decisório destinara-se a justificar o arbitramento dos honorários com parâmetro no valor da causa, sendo que, ao ser redigido o dispositivo, fizera-se constar o termo valor da execução. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que provia o recurso para reformar o acórdão impugnado, determinando que se observasse a parte dispositiva do título executivo judicial. O Min. Carlos Britto retificou seu voto.
RE 420909/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 5.5.2009. (RE-420909)

Fiador e Penhorabilidade do Bem de Família

Ante a peculiaridade do caso, a Turma proveu agravo regimental para determinar a subida de recurso extraordinário em que se alega ofensa ao art. 6º da CF. Tratava-se de agravo regimental interposto contra decisão do Min. Ricardo Lewandowski, que negara seguimento a agravo de instrumento, do qual relator, por reputar que o acórdão recorrido — ao afirmar que a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação (Lei 8.009/90, art. 3º, VII) não violaria o direito de moradia — estaria em consonância com a jurisprudência do STF. Na espécie, a locadora promovera ação de despejo contra o locatário, sem conhecimento do fiador, e pleiteara também o pagamento dos aluguéis referentes ao período de 1991 a 2002. Em virtude da inadimplência do locatário, o fiador fora acionado judicialmente. Enfatizou-se que a situação dos autos envolveria contrato de locação, cujos aluguéis não foram cobrados por mais de 10 anos, o que, para o ora agravante (fiador), transmudaria esse contrato em comodato.
AI 741419 AgR/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.5.2009. (AI-741419)

Representação Processual e Cópia não Autenticada

A Turma iniciou julgamento de agravo regimental interposto contra decisão do Min. Menezes Direito, que desprovera agravo de instrumento, do qual relator, em face da intempestividade de recurso extraordinário, inadmitido pelo Tribunal a quo por motivo diverso. O relator afirmara que a ora agravante não juntara aos autos cópia de documentos que comprovassem a alegada suspensão do expediente forense na Corte de origem. Reitera-se a tempestividade do extraordinário, tendo em conta a ocorrência do mencionado recesso. O Min. Menezes Direito não conheceu do regimental. Asseverou que a petição deste estaria subscrita por advogada que não possuiria instrumento de mandato válido para representar a agravante, haja vista que o substabelecimento — que confere poderes à subscritora do presente agravo —, embora original, estaria assinado por advogada que, também, não possuiria procuração válida nos autos, uma vez que o substabelecimento, juntado na interposição deste agravo regimental, seria mera cópia reprográfica sem a necessária autenticação. Dessa forma, aplicando precedentes do STF (Rcl 2222 AgR/SP, DJU de 18.3.2005 e RE 505747 AgR/RN, DJE de 29.8.2008), reputou inexistente o recurso, ao fundamento de que a cópia obtida do mandato judicial somente tem validade se o escrivão portar fé de sua conformidade com o original. Salientou, por fim, que a agravante, na formação do agravo de instrumento, não trasladara cópia da procuração outorgada às referidas procuradoras. Em divergência, o Min. Marco Aurélio conheceu do agravo regimental. Aduziu que a subscritora do agravo estaria devidamente credenciada pela parte agravante e, conferindo interpretação mais alargada ao CPC — já que não houvera a declaração explícita de autenticidade das cópias —, afastou a exigência da autenticação das peças trasladadas em cópia quando apresentadas pelo causídico. Após, o julgamento foi adiado por indicação do relator.
AI 741616 AgR/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 5.5.2009. (AI-741616)
Graduação de Posto e Ausência de Direito Adquirido

A Turma, por maioria, proveu recurso extraordinário para assentar que os recorridos não possuem direito adquirido à promoção a posto imediatamente superior. No caso, quando os recorridos ingressaram na polícia militar, tinham assegurado o direito à aposentadoria especial aos 25 anos de serviços prestados com vencimentos e vantagens do posto imediatamente superior, mas, ao longo do tempo, sua situação funcional fora atingida por leis que subtraíram esse benefício. Considerou-se que, quando os ora recorridos completaram o tempo para a aposentadoria, já estava em vigor nova disciplina legal e constitucional, que não autorizava o favor, não restando, pois, acobertados pela legislação protetiva invocada, alterada no período de aquisição do direito à aposentadoria. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que desproviam o recurso, ao fundamento de que, ainda na vigência da relação pretérita, mais favorável, esses servidores completaram as condições para lograr o beneficio.
RE 114282/SP, rel. Min. Menezes Direito, 5.5.2009. (RE-114282)

Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Pontuação em Concurso Público - 1

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se debate a legitimidade, ou não, do Ministério Público para promover ação civil pública com o objetivo de questionar o estabelecimento de critérios de pontuação em concurso público. No caso, Ministério Público Estadual ajuizara ação civil pública em torno de certame para diversas categorias profissionais de determinada prefeitura, em que asseverara que a pontuação adotada privilegiava candidatos os quais já integravam o quadro da Administração Pública Municipal. O Min. Menezes Direito, relator, negou provimento ao recurso, para assentar que o tema relativo ao conceito de direito individual homogêneo estaria no plano infraconstitucional, escapando, assim, da abrangência do recurso extraordinário. Ressaltou, ademais, que o MPE afirma a sua legitimação com base na identificação de dano ao patrimônio público, por meio da invalidação de normas de edital de concurso público em desacordo com os princípios que regem a atuação da Administração Pública (CF, art. 37). Entendeu, todavia, que, na espécie, não se trataria de defender o patrimônio público — tendo em conta que a ação versaria sobre o regime de pontuação de certame municipal —, mas sim de tutelar interesses que seriam próprios dos candidatos.
RE 216443/MG, rel. Min. Menezes Direito, 5.5.2009. (RE-216443)

Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Pontuação em Concurso Público - 2

Em divergência, o Min. Marco Aurélio proveu o extraordinário, no que foi acompanho pelos Ministros Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. De início, ressaltou que o STF possui entendimento no sentido de que é matéria constitucional a questão relativa ao exame da atribuição de pontos a candidatos em virtude de seu desempenho profissional anterior em atividade relacionada a concurso público. Quanto à legitimação do parquet, registrou a existência de tratamento diferenciado conforme se cuide de sua atuação na defesa da ordem jurídica (CF, art. 127) ou em inquérito civil e ação civil pública (CF, art. 129, III). Salientou que se teria, no caso, o interesse coletivo, na medida em que se conferira tratamento distinto a certos candidatos em detrimento dos demais, quando o concurso público objetiva a igualização. Frisou haver lesão a partir do momento em que abandonada tal premissa. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
RE 216443/MG, rel. Min. Menezes Direito, 5.5.2009. (RE-216443)


SEGUNDA TURMA

Não houve sessão ordinária no dia 5.5.2009.

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno6.5.20097.5.20099
1ª Turma5.5.2009425
2ª Turma



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJE de 8 de maio de 2009

REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. EM AI N. 712.743-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO (CPC, ART. 544, PARÁGRAFOS 3º E 4º). IPTU. INCIDÊNCIA DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS ATÉ A EC 29/2000. RELEVÂNCIA ECONÔMICA, SOCIAL E JURÍDICA DA CONTROVÉRSIA. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO DEDUZIDA NO APELO EXTREMO INTERPOSTO. PRECEDENTES DESTA CORTE A RESPEITO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA PROGRESSIVA DO IPTU ANTES DA CITADA EMENDA. SÚMULA 668 DESTE TRIBUNAL. RATIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DA REPERCUSSÃO GERAL (CPC, ART. 543-B).
1. Mostram-se atendidos todos os pressupostos de admissibilidade, inclusive quanto à formal e expressa defesa pela repercussão geral da matéria submetida a esta Corte Suprema. Da mesma forma, o instrumento formado traz consigo todos os subsídios necessários ao perfeito exame do mérito da controvérsia. Conveniência da conversão dos autos em recurso extraordinário.
2. A cobrança progressiva de IPTU antes da EC 29/2000 – assunto de indiscutível relevância econômica, social e jurídica – já teve a sua inconstitucionalidade reconhecida por esta Corte, tendo sido, inclusive, editada a Súmula 668 deste Tribunal.
3. Ratificado o entendimento firmado por este Supremo Tribunal Federal, aplicam-se aos recursos extraordinários os mecanismos previstos no parágrafo 1º do art. 543-B, do CPC.
4. Questão de ordem resolvida, com a conversão do agravo de instrumento em recurso extraordinário, o reconhecimento da existência da repercussão geral da questão constitucional nele discutida, bem como ratificada a jurisprudência desta Corte a respeito da matéria, a fim de possibilitar a aplicação do art. 543-B, do CPC.

Decisões Publicadas: 1



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Prisão Cautelar - Gravidade do Delito - Reforço de Argumentação pelo Tribunal – Inadmissibilidade (Transcrições)

HC 98862 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 121):

“‘HABEAS CORPUS’ LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - ART. 121, § 2º, I e III C/C O ART. 73, POR DUAS VEZES, DO CPB e 16, IV DA LEI 10.826/2003. PRISÃO EM FLAGRANTE EM 13/08/2007. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 2º DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. INADEQUAÇÃO DO ‘MANDAMUS’. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. A vedação de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, na hipótese de crimes hediondos, encontra amparo no art. 5º XLIII da CF, que prevê a inafiançabilidade de tais infrações; assim, a mudança do art. 2º da Lei 8.072/90, operada pela Lei 11.464/2007, não viabiliza tal benesse, conforme entendimento sufragado pelo Pretório Excelso e por esta Corte, o que, por si só, constitui fundamento para a negativa do benefício (HC 89.068/RN, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJU 23.02.07, HC 93.940/SE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJU 06.06.08 e HC 92.414/SC, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 02.06.08).
2. A verificação da assertiva de inocência do acusado exige ampla dilação probatória, providência incompatível com o ‘mandamus’, que exige prova pré-constituída do direito alegado.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada.”
(HC 112.910/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)

Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, entendo plausível, em sede de estrita delibação, a pretensão jurídica deduzida na presente causa.
Os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que manteve a prisão cautelar do ora paciente (prisão em flagrante), confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.
Eis, no ponto, em seus aspectos essenciais, o teor da decisão, que, emanada do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de São Paulo/SP, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpus” em favor do ora paciente (fls. 84):

“Mantenho a custódia do réu**, diante da gravidade do crime a ele imputado, classificado como hediondo.
Aguarde-se o interrogatório designado.”

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão cautelar.
A razão que fundamenta o decreto judicial que manteve a prisão cautelar, cujo texto se acha reproduzido a fls. 84, resume-se à gravidade do crime.
Tenho para mim que a decisão em causa, ao manter a prisão em flagrante do ora paciente, indeferindo-lhe o pedido de concessão de liberdade provisória, apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação substancial.
Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que a supressão meramente processual do “jus libertatis” não pode ocorrer em um contexto caracterizado por julgamentos sem defesa ou por condenações sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).”
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a   apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.
Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).”
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Impende assinalar, por isso mesmo, que a gravidade em abstrato do crime não basta para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do paciente.
O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelo julgamento emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 1.146.968-3/5), no qual se denegou a ordem de “habeas corpus” então postulada em favor do ora paciente.
Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 96.715-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).”
(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU - grifei)

A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):

“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.
1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do hábeas corpus que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.”
(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Mesmo que se pudesse superar esse obstáculo, a alegação feita pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – fundada em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) – de que “(...) é conveniente que lhe seja mantida a sua custódia provisória, para que ele não possa exercer qualquer influência na produção da prova em juízo, uma vez que as vítimas e as testemunhas residem no mesmo bairro (...)” (fls. 89), constitui, quando destituída de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual, como assinalou, em recentíssimo julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

“‘HABEAS CORPUS’ - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DOS DELITOS E NA SUPOSIÇÃO DE QUE OS RÉUS PODERIAM CONSTRANGER AS TESTEMUNHAS OU PROCEDER DE FORMA SEMELHANTE CONTRA OUTRAS VÍTIMAS - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL – UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO, COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AO CO-RÉU.

A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.

A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS.
- A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa.
- A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira.
- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva.

O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.”
(HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A mera suposição desacompanhada de indicação de fatos concretos - de que o ora paciente, em liberdade, poderia “(...) exercer qualquer influência na produção da prova em juízo (...)” (fls. 89) - revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar (ou a decisão que a mantém, como no caso), se tal suposição, como ocorre na espécie dos autos, deixa de ser corroborada por base empírica idônea (que necessariamente deve ser referida na decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).
Cumpre salientar, finalmente, que a superveniência da decisão de pronúncia – especialmente se esse ato decisório reafirma, como na espécie, a respeito das razões justificadoras da real necessidade de preservação da prisão cautelar do paciente, o mesmo fundamento inidôneo (fls. 96), – não faz instaurar situação de prejudicialidade da ação de “habeas corpus”, ainda mais se se mostrarem destituídos de idoneidade jurídica os fundamentos em que se apoiou a decisão que negou, em momento anterior, ao paciente, a concessão de liberdade provisória.
Impende ressaltar que esse entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte:

“1. Prisão por pronúncia de réu já anteriormente preso: pressuposto de validade da prisão cautelar anterior.
É sedimentada a jurisprudência no sentido de que, se a pronúncia, para conservar preso o réu, cinge-se à remissão aos fundamentos do decreto de prisão preventiva anterior, a eventual inidoneidade destes contamina de nulidade a prisão processual; ‘a fortiori’, a orientação é de seguir-se quando a pronúncia silencia totalmente a respeito, como ocorreu no caso. (...).”
(HC 83.782/PI, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade. Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (‘fattispecie abstratas’) que a autorizem.
2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito.
.......................................................
4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, ‘a fortiori’, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal. (...).”
(HC 87.041/PA, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão que manteve a prisão em flagrante do ora paciente, referentemente ao Processo nº 052.07.002976-0 (3ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de São Paulo/SP), expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 112.910/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 1.146.968-3/5) e ao MM. Juiz de Direito da 3ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de São Paulo/SP (Processo nº 052.07.002976-0).
Publique-se.

Brasília, 06 de maio de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJE de 12.5.2009

** nome suprimido pelo Informativo

Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução (Transcrições)

RE 578543/MT*

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

Voto: Inicialmente, não conheço dos recursos extraordinários interpostos na parte em que buscam fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal.
No tocante à alegação, contida no apelo extremo da ONU/PNUD, de que teria havido, no acórdão recorrido, uma transversa declaração de inconstitucionalidade da Seção 2 da Convenção sobre Imunidades e Privilégios das Nações Unidas, noto que aquela manifestação judicial não chegou a rejeitar a imunidade jurisdicional reclamada pela ONU/PNUD com base numa eventual incompatibilidade entre aquele dispositivo legal e a Constituição Federal. Para o acórdão ora impugnado, a legitimidade da atuação da Justiça do Trabalho no caso concreto encontraria fundamento bastante no art. 114 da Carta Magna, que prevê a competência desse órgão do Poder Judiciário para julgar os conflitos trabalhistas que envolvam os entes de direito público externo. Nem mesmo um mero ato de afastamento da norma de imunidade invocada pela recorrente é possível detectar.
Quanto ao recurso da União, o não conhecimento pela alínea b do permissivo constitucional baseia-se, tão-somente, no fato de que não há na peça recursal qualquer trecho que explicite a ocorrência, no acórdão recorrido, de uma eventual declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
Embora reconheça o esforço bem sucedido da ONU/PNUD pelo prequestionamento das alegações de ofensa ao artigo 5º, incisos II, XXXV e LIII, da Constituição Federal, tenho que essas violações seriam indiretas, pois a afirmada recusa na aplicação do art. 485, V, do CPC, e da Seção 2 do Convênio sobre Imunidades e Privilégios das Nações Unidas seriam, primeiramente, afrontas ao próprio texto desses dispositivos infraconstitucionais.
Já o exame da violação, defendida pela União em seu recurso, aos artigos 5º, LIV, 49, I, e 84, VIII, todos da Constituição Federal, encontra óbice claro na falta do revolvimento dessas matérias no acórdão recorrido.
Desponta, assim, neste julgamento, a análise de violação aos artigos 5º, § 2º, e 114 da Carta Magna.
2. Busca-se, como visto, por meio do presente recurso extraordinário, pronunciamento desta Suprema Corte que defina, de uma vez por todas, se, à luz da Constituição Federal e da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, as imunidades de jurisdição e de execução invocadas pelas organizações internacionais podem ser afastadas quando essas entidades de direito público externo são demandadas perante a Justiça do Trabalho brasileira.
As organizações intergovernamentais modernas, segundo ensinamento do professor Celso de Albuquerque Mello, nasceram no século XX, num cenário de associacionismo internacional, por terem os Estados compreendido “que existem certos problemas que não podem ser resolvidos por eles sem a colaboração dos demais membros da sociedade internacional.” (Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro, Renovar, 14ª ed., 2002, p. 49.) É o Direito Internacional de cooperação ou de colaboração, que sucede ao Direito Internacional de co-existência.
Atores imprescindíveis à convivência pacífica e à cooperação entre os povos, os organismos internacionais não podem ser confundidos com os Estados que os constituem. Celso de Albuquerque Mello, para defini-los, valeu-se do conceito de Angelo Piero Sereni, para quem a organização internacional “é uma associação voluntária de sujeitos de Direito Internacional, constituída por ato internacional e disciplinada nas relações entre as partes por normas de Direito Internacional, que se realiza em um ente de aspecto estável, que possui um ordenamento jurídico interno próprio e é dotado de órgãos e institutos próprios, por meio dos quais realiza as finalidades comuns de seus membros mediante funções particulares e o exercício de poderes que lhe foram conferidos.” (Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro, Renovar, 14ª ed., 2002, p. 583.)
José Cretella Neto, de forma concisa, porém não menos percuciente, explica que a organização internacional interestatal é “uma associação de Estados estabelecida por meio de uma convenção internacional, que persegue objetivos comuns aos membros e específicos da organização, dispondo de órgãos próprios permanentes e dotada de personalidade jurídica distinta da dos Estados-membros.” (Teoria Geral das Organizações Internacionais. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 44.)
Relevante lembrar, invocando-se, mais uma vez, doutrina de Celso de Albuquerque Mello, que o ingresso de um Estado em uma organização internacional é um ato de natureza voluntária, “isto é, nenhum Estado é obrigado a ser membro de uma organização contra a sua vontade.” (Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro, Renovar, 14ª ed., 2002, p. 584.).
A organização internacional ora recorrente é a Organização das Nações Unidas, sucessora da Liga das Nações e criada com a assinatura da Carta das Nações Unidas, em 26.06.1945, durante os trabalhos da célebre Conferência de São Francisco. O Brasil, que é um de seus membros fundadores, promulgou a Carta das Nações Unidas por meio do Decreto 19.841, de 22.10.1945.
Segundo a lição do professor Antônio Augusto Cançado Trindade, a ONU ocupa posição de destaque em relação a todas as demais organizações internacionais pela amplitude de sua esfera de ação e porque, “diferentemente das organizações regionais, a extensão e o alcance de suas competências são extremamente vastos e a realização de seus propósitos é marcada por sua vocação universal.” (Direito das Organizações Internacionais. Belo Horizonte, Del Rey, 3ª ed., 2003, p. 10.)
A recorrente, que hoje conta com 192 países-membros, é dotada de personalidade jurídica internacional que lhe permite, nas palavras do professor Antônio Augusto Cançado Trindade, “atuar no cenário internacional como entidade distinta, independentemente dos Estados-membros tomados individualmente.” (Direito das Organizações Internacionais. Belo Horizonte, Del Rey, 3ª ed., 2003, p. 12.) Todavia, conforme adverte o internacionalista Hildebrando Accioly, a Organização das Nações Unidas não é um superestado, “embora reúna a quase-totalidade dos estados existentes.” (Manual de Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 16ª ed., 2008, p. 396.)
Já o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, instituído, em 22.11.1965, pela Resolução 2.029 da Assembléia-Geral das Nações Unidas, embora sua atividade tenha particular importância para os países em desenvolvimento, não possui a personalidade jurídica internacional de que se valem os organismos especializados das Nações Unidas, como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e a OMS (Organização Mundial da Saúde). Trata-se o PNUD, formalmente, de órgão subsidiário da própria ONU, fomentador de políticas de desenvolvimento, diretamente subordinado à Assembléia-Geral e ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.
Feito esse breve reconhecimento da parte recorrente, passo, agora, ao exame específico do tema das imunidades de jurisdição e de execução.

3. Assim procedendo, tomo como ponto de partida obrigatório a minuciosa análise dos precedentes mais relevantes desta Casa a respeito da matéria ora debatida.
Na ordem constitucional pretérita, esta Suprema Corte, em diversas ocasiões, foi chamada a se manifestar em causas nas quais cidadãos brasileiros, em busca de indenização fundada na rescisão de contrato de trabalho ou na responsabilidade civil, ajuizavam ações em face dos Estados estrangeiros, que se faziam representar por suas respectivas embaixadas e consulados. Os demandantes eram, em sua grande maioria, ex-empregados demitidos pelas representações diplomáticas ou consulares e proprietários de veículos avariados em acidentes de trânsito.
A relativa facilidade de acesso a esta Casa, encontrada por muitas dessas causas, explicava-se, em parte, pela previsão contida no art. 119, II, a, da Emenda Constitucional 1/69, que atribuía ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar, em grau recursal ordinário, as causas em que fossem partes “Estados estrangeiros ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, município ou pessoa domiciliada ou residente no País”.
Nas decisões proferidas por esta Corte naquela época, prevaleceu a força da doutrina clássica da imunidade absoluta, proveniente de norma costumeira incorporada ao Direito das Gentes, segundo a qual nenhum Estado poderia ser submetido à condição de parte perante o Judiciário local de outra Nação, a não ser que viesse a manifestar, nesse sentido, a sua vontade soberana. O brocardo par in parem non habet jurisdictionem bem sintetizava essa construção jurídica. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, nos seguintes julgados: Apelações Cíveis 9.684, rel. Min. Rafael Mayer, DJ 04.03.1983 (Iraque), 9.686, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 31.08.1984 (França), 9.695, rel. Min. Oscar Corrêa, DJ de 12.06.1987 (Hungria), 9.704, rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 26.06.1987 (Líbano), 9.705, rel. Min. Moreira Alves, DJ 23.10.1987 (Espanha), e 9.707, rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 11.03.1988 (Estados Unidos da América).
Dos precedentes firmados naquela específica fase histórica, destaco que, pelo fato de algumas ações ajuizadas perante as instâncias originárias terem apontado, como demandados, tanto o representante da missão diplomática ou consular como o próprio Estado estrangeiro, duas soluções jurídicas distintas e concomitantes eram dadas pelo Supremo Tribunal Federal a esses feitos, com relação à imunidade de jurisdição.
No tocante à pretensão de responsabilização do Estado estrangeiro propriamente dito, aplicava esta Casa, como acima exposto, a teoria da imunidade absoluta por imposição de norma consuetudinária de Direito Internacional Público, independentemente da existência, em nosso ordenamento jurídico, de regra positivada nesse sentido.
Já no que concerne à imunidade de jurisdição das autoridades diplomáticas ou consulares, tinha essa prerrogativa fundamento completamente diverso daquele utilizado para justificar a imunidade dos Estados estrangeiros. Baseava-se, neste caso, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, e na Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963. Ambos esses atos internacionais, devidamente assinados pelo Brasil, foram aprovados por decretos legislativos, ratificados e depois promulgados, respectivamente, pelos Decretos 56.435/65 e 61.078/67.
No julgamento do RE 94.084, iniciado em 13.02.1985 e concluído em 12.03.1986, de relatoria do eminente Ministro Aldir Passarinho, este Plenário assentou a impossibilidade de os Estados Unidos da América submeterem-se à jurisdição brasileira para responder a ação trabalhista proposta por ex-empregado de sua embaixada. O eminente Ministro Francisco Rezek, no voto-vista que proferiu naquele caso, assim asseverou a respeito da nítida diversidade de fundamentação para o reconhecimento, naquela época, da imunidade dos Estados ou dos agentes diplomáticos e consulares, verbis (DJ de 20.06.1986):

“Sabe-se, com efeito, que em mais de um caso concreto sucedeu que juízes federais, ou juízes do trabalho, negassem a referida imunidade [aos Estados estrangeiros] por não encontrá-la prescrita nas Convenções de Viena de 1961 e 1963, nem em qualquer outro tópico do nosso direito escrito. As Convenções, efetivamente, versaram imunidades e outros privilégios do pessoal diplomático e do pessoal consular. Aos Estados pactuantes – entre os quais o Brasil – não pareceu necessário lançar no texto daquelas avenças a expressão escrita de uma norma costumeira sólida, incontrovertida, plurissecular e óbvia como a que poupa todo Estado soberano de uma submissão involuntária ao juízo doméstico de qualquer de seus pares.”

Em 22.10.1987, este Plenário apreciou a questão da imunidade de jurisdição em causa na qual um cônsul da Polônia havia provocado acidente de trânsito conduzindo veículo de propriedade do Consulado daquele País (Apelação Cível 9.701, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 04.12.1987). Requerida a condenação conjunta do cônsul e do Consulado à reparação do dano causado, aplicou esta Corte, mais uma vez, solução distinta para cada um dos demandados.
Como o Consulado proprietário do automóvel era, obviamente, repartição da República da Polônia, este Supremo Tribunal reconheceu, mais uma vez, a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro com base na regra de costume internacional de respeito absoluto à soberania das Nações.
Quanto ao cônsul responsável pelo acidente, verificou-se que a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, diferentemente da Convenção sobre Relações Diplomáticas de 1961, abria, em seu art. 43, 2, b, expressa exceção à regra de imunidade de jurisdição dos funcionários consulares, exatamente na hipótese de ação civil proposta por particular em decorrência de danos provocados, no território do Estado receptor, por acidente de veículo, navio ou aeronave. A ementa do julgado, da lavra do eminente Ministro José Néri da Silveira, possui o seguinte teor:

“Imunidade de jurisdição. Ação de reparação de danos, por acidente de trânsito, movida contra o Consulado-Geral da Polônia e o Cônsul da Polônia. Sentença que deu pela extinção do processo, sem julgamento do mérito, reconhecendo a imunidade de jurisdição. Veículo de propriedade do Consulado, mas dirigido, na ocasião do acidente, pelo Cônsul. Aplicação ao caso da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963 (art. 43, § 2º, letra ‘b’) e não da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. Imunidade de jurisdição, que é de acolher-se, em relação à República Popular da Polônia, de que o Consulado-Geral é uma repartição. No que respeita ao Cônsul, mesmo admitindo que o veículo automotor, envolvido no acidente de trânsito, pertença ao Consulado-Geral da Polônia, certo era o condutor do automóvel que não goza, no caso, de imunidade de jurisdição (Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, art. 43, § 2º, letra ‘b’), podendo, em conseqüência, a ação movida, também, contra ele, prosseguir, para final apuração de sua responsabilidade, ou não, no acidente, com as conseqüências de direito. Provimento, em parte, à apelação dos autores, para determinar que prossiga a ação contra o Cônsul, mantida a extinção do processo sem julgamento do mérito, relativamente à República Popular da Polônia (Consulado-Geral da Polônia em Curitiba).”

Diante desse panorama, é possível chegar, nesse momento, a uma primeira conclusão relevante no sentido de que, mesmo quando pairava no Supremo Tribunal Federal, sobranceira, a teoria da imunidade absoluta dos Estados Estrangeiros, havia a plena consciência de que co-existiam duas ordens distintas de imunidade jurisdicional: uma que, positivada, era fruto de normas escritas constantes de tratados internacionais solenemente celebrados pelo Brasil, e outra, revelada na atividade jurisprudencial, que se escorava, exclusivamente, em norma de direito consuetudinário internacional. Das primeiras, gozavam, tão-somente, os agentes diplomáticos e consulares. Da segunda, aproveitavam os Estados estrangeiros.
4. Veio, então, já sob a ordem constitucional vigente, o célebre julgamento da Apelação Cível 9.696, de relatoria do eminente Ministro Sydney Sanches.
Tratava-se, mais uma vez, de demanda trabalhista, ajuizada por viúva de ex-empregado da Representação Comercial da extinta República Democrática Alemã que, depois, passou a ser o Escritório Comercial da Embaixada daquele País no Brasil.
Na sessão de julgamento de 23.02.1989, o eminente relator, Ministro Sydney Sanches, registrou inicialmente em seu voto as alterações introduzidas pela Constituição de 1988 nas competências originária e recursal do Supremo Tribunal Federal. Concentrou-se S. Exa., em seguida, na interpretação do texto no art. 114 da Carta Magna, concluindo, em primeiro lugar, que o novel dispositivo constitucional havia redefinido a competência da Justiça do Trabalho, que passava a julgar as reclamações trabalhistas envolvendo os entes de direito público externo, como os Estados estrangeiros.
Asseverou aquele notável juiz que o art. 114 da Constituição Federal, indo mais além, representou, no que diz respeito às causas de natureza trabalhista, a própria eliminação da imunidade dos estados estrangeiros à jurisdição brasileira, por prever que “os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, pode abranger, entre estes últimos, os entes de direito público externo”.
Não obstante o brilhantismo e o seu valor pela percepção das profundas mudanças trazidas pela nova Constituição, o voto do eminente relator trazia duas incongruências que não podiam subsistir.
A primeira delas consubstanciava-se na observação de que a imunidade dos Estados estrangeiros, antes do surgimento do referido art. 114 da Carta de 1988, estava calcada na Convenção de Viena. Ora, como já visto, esta Suprema Corte, em mais de uma oportunidade, já havia constatado que o privilégio sob exame possuía, quanto ao seu fundamento, duas diferentes vertentes: a consuetudinária, do Direito das Gentes, voltada para os Estados estrangeiros e a legal, fruto de tratado internacional celebrado pelo Brasil, para o pessoal diplomático e consular.
A segunda impropriedade estava na interpretação de que o afastamento da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros estaria restrito, por força do disposto no art. 114, às causas de natureza trabalhista. Como será visto adiante, não foi o deslocamento de competência contido no art. 114 que provocou a relativização da imunidade de jurisdição das Nações estrangeiras. Abrangeu essa inovação, além dos atos de contratação de pessoal, todas as demais interações dos Estados estrangeiros, no âmbito das relações privadas, ocorridas no território brasileiro.
Prosseguindo no exame do julgamento da Apelação Cível 9.696, naquela mesma assentada de 23.02.1989, pediu vista o eminente Ministro Francisco Rezek, que proferiu seu voto da sessão plenária de 31.05.1989. Em sua valiosa manifestação, debruçou-se S. Exa. na exegese do caput do art. 114 da Constituição Federal, que, naquela época, ainda contava com a sua redação original, nos seguintes termos:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

Aproveito, nesse ponto, para ressaltar que as modificações promovidas pela Emenda Constitucional 45/2004 no texto do art. 114 da Carta Magna em nada interferem na questão ora debatida, uma vez que a referência feita aos entes de direito público externo, agora situada em seu inciso I, permaneceu inalterada. Essa é a sua atual redação:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”

O eminente Ministro Francisco Rezek, em seu voto, asseverou que a norma do art. 114 da Constituição de 1988 tratou, tão-somente, de uma questão de competência. Esclareceu S. Exa., que a finalidade desse comando foi deixar claro, de uma vez por todas, que o litígio trabalhista que tivesse pessoa de direito público externo como empregadora seria “afeto, desde a sua origem, à Justiça do Trabalho”.
Impunha-se tal medida, conforme rememorou o eminente Ministro Francisco Rezek, pelo fato de que a Constituição de 1967, alterada pela EC 1/69, previa, em seu art. 125, II, que competia à primeira instância da Justiça Federal comum o julgamento das causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e municípios ou pessoa domiciliada ou residente no Brasil. Noticiou S. Exa. que esta Casa, ainda naquela ordem constitucional pretérita, ao apreciar conflitos de jurisdição entre órgãos da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, acabou por atribuir a esta última a exclusiva competência para o julgamento das causas envolvendo os entes de direito público externo, mesmo que tivessem natureza trabalhista. Essas foram as suas lúcidas palavras a respeito do tema, verbis:

“Tudo quanto há de novo, no texto de 1988, é um deslocamento da competência: o que até então estava afeto à Justiça Federal comum passou ao domínio da Justiça do Trabalho. Não há mais, no art. 114, que uma regra relacionada com o foro hábil para dar deslinde a esse gênero de demanda, sem embargo da eventual subsistência de normas que possam excluir a jurisdicionabilidade do demandado, quando seja este pessoa jurídica de direito público externo. Tenho a informação – e apreciaria trazê-la à mesa – de que foi intenção de alguns membros da Assembléia Nacional Constituinte fazer do art. 114 não só uma regra redeterminante de competência, mas uma regra votada a deixar claro que esse tipo de demanda é agora possível entre nós. Se foi essa a intenção de membros ilustres da Assembléia Nacional Constituinte, não foi o que afinal deixaram expresso no texto. O art. 114, por quanto sua redação exprime, diz apenas da competência da Justiça do Trabalho, e não exclui a possibilidade de que essa competência resulte acaso inexercitada, se concluímos que a norma consagratória da imunidade prossegue valendo entre nós.”

O eminente Ministro Aldir Passarinho, ao acompanhar integralmente a linha de raciocínio desenvolvida pelo eminente Ministro Francisco Rezek a respeito da melhor interpretação a ser dada ao art. 114 da Constituição Federal, assim asseverou, verbis:

No tocante à questão posta pelo Sr. Ministro Relator parece-me que não houve nenhuma alteração sobre o tema, na nova Constituição. O art. 114 da nova Carta Política realmente fixou a competência da Justiça do Trabalho para as demandas de natureza trabalhista quando houvesse o interesse de Estado estrangeiro, mas é de ver que ali se encontra fixada apenas regra de competência, podendo-se, assim, até admitir que possa ela estar prevendo a hipótese de o Estado estrangeiro concordar em submeter-se à jurisdição brasileira. Já anteriormente, na Constituição de 1967, o que foi repetido na E.C. nº 1/69, com a criação da Justiça Federal, se encontrava explicitado que cabia aos juízes federais processar e julgar, em primeira instância, ‘as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e municípios ou pessoa domiciliada ou residente no Brasil’, no que se incluía, deste modo, a competência para julgamento das questões trabalhistas, mas sem que, com isso, se pudesse entender como regra de submissão automática do Estado estrangeiro à jurisdição brasileira.”

Todas essas considerações, ao final adotadas pelo próprio relator do feito, Ministro Sydney Sanches, demonstraram, de forma cabal, que o art. 114 da Constituição Federal não desafiou qualquer princípio de direito internacional público nem provocou qualquer alteração no campo da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros.
Como visto, já havia, na Carta Constitucional anterior, norma, materialmente mais abrangente, dispondo sobre a competência para julgar as causas em que presente num dos pólos processuais o Estado estrangeiro ou o organismo internacional (EC 1/69, art. 125, II). Nem por isso se entendeu que esses entes de direito público externo deveriam ser automaticamente submetidos à jurisdição brasileira. Muito pelo contrário, os Estados estrangeiros obtiveram nesta Corte, sistematicamente, o reconhecimento de suas imunidades, invocadas com base na norma costumeira de Direito Internacional acima explicitada.
A novidade trazida pelo art. 114 da Constituição de 1988, embora de grande valor, apenas definiu que mesmo que o empregador seja ente de direito público externo, o julgamento da causa trabalhista, caso transposto o óbice da imunidade jurisdicional, ainda assim permanecerá no âmbito da Justiça do Trabalho. Em outras palavras, a Constituição de 1988, invertendo a ordem de valores constante da Carta anterior, passou a dar maior importância à matéria tratada do que à pessoa envolvida no litígio, pondo em destaque, portanto, a competência ratione materiae em detrimento da competência ratione personae.
Fixadas essas premissas, passou o eminente Ministro Francisco Rezek, em seu voto-vista, a expor o que verdadeiramente havia ocorrido para que fosse possível ao Supremo Tribunal Federal, numa postura inovadora, afastar, em certos casos, a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros. Demonstrou S. Exa. que a mudança havia se dado no plano do direito internacional, e não em nossa ordem jurídica interna. Noticiou aquele julgador que, a partir da década de setenta, o princípio da imunidade absoluta de jurisdição foi sendo confrontado, em vários países do mundo, pela percepção de que a imunidade deveria comportar temperamentos.
Ganhava força, naquela época, a consciência de que os Países, além de atuarem no território de outras Nações por meio de atividades administrativas típicas de representação, os chamados atos de império, relacionavam-se muitas vezes com o meio local sem o caráter de oficialidade. Construiu-se, dessa forma, o entendimento de que os atos praticados nessas circunstâncias pelas missões diplomáticas e consulares dos Estados estrangeiros, os chamados de atos de mera gestão, não deveriam servir de fundamento para o exercício da imunidade de jurisdição.
O Ministro Francisco Rezek trouxe, em seu voto, exemplos de convenções e leis internacionais da Europa e dos Estados Unidos que, ao tornarem relativa a imunidade dos Estados estrangeiros à jurisdição doméstica, afastaram-na, por exemplo, nas causas em que discutidos contratos de trabalho firmados com cidadãos locais e indenizações decorrentes de responsabilidade civil.
Estava demonstrado, assim, que não havia mais como invocar regra sólida de direito consuetudinário internacional para se atribuir imunidade jurisdicional absoluta ao Estado estrangeiro. E como as bases normativas escritas existentes sobre imunidade, as Convenções de Viena, conforme já esclarecido, somente se aplicavam aos agentes diplomáticos e consulares, estavam os Países, a partir daquele momento, sujeitos à jurisdição brasileira toda vez que em discussão atos por eles aqui praticados no âmbito das relações de direito privado.
Por último, mas não menos importante, afastou o eminente Ministro Francisco Rezek, em seu voto, argumento que, se levado às últimas conseqüências, fulminaria do universo do Direito Internacional Público o próprio instituto da imunidade de jurisdição.
Trata-se da alegação de que o reconhecimento da imunidade jurisdicional de um ente de direito público externo seria incompatível com a garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça a direito.
Essa garantia, hoje insculpida no art. 5º, XXXV, da atual Constituição Federal e que já esteve presente nas Constituições de 1946 (art. 141, § 4º), de 1967 (art. 150, § 4º) e de 1969 (art. 153, § 4º), surgiu, conforme demonstra José Cretella Júnior, como uma reação dos constituintes de 1946 “à tendência de certa legislação do regime da Constituição de 1937, que excluía de apreciação judicial as providências nela consagradas”, tudo em nome do interesse público. (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 3ª ed., 1997, vol. I, p. 434.)
Essa não é, obviamente, a finalidade das imunidades de jurisdição e de execução inseridas no contexto das relações de co-existência e de cooperação entre os Países e entre estes e as organizações internacionais de que se fazem membros. É preciso ter em conta que o Poder Judiciário de um País é parcela indissociável do próprio Estado e está, com este, sujeito a todo o regime de normas que formam o Direito Internacional Público.
Se o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição, fosse entendido como um direito absoluto, então todas as convenções de imunidade jurisdicional firmadas, pelo Brasil, com as pessoas de direito público internacional estariam automaticamente revogadas e denunciadas, inclusive aquelas que possibilitam as atividades diplomáticas e consulares em nosso País. Creio não ser essa a melhor exegese da referida garantia fundamental. O eminente Ministro Francisco Rezek, sobre essa questão, assim ponderou, verbis:

“Já se viu insinuar, neste Plenário mesmo, a tese de que, não obstante o que prescreva o direito internacional público, a imunidade teria desaparecido por força da regra constitucional onde se vê que a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito. Essa regra não é nova – ela está na Carta há muitos anos –, nem é exato que o Supremo tenha sido fiel à imunidade por não ter vindo à mesa o preceito constitucional. Em pelo menos dois casos – na Primeira Turma o RE 104.262, sob a relatoria do Presidente Rafael Mayer, em 1985, e neste Plenário a célebre Ação Cível Originária 298, que opôs a República Árabe da Síria à República Árabe do Egito – aventou-se a norma constitucional que diz da generalidade do controle judiciário. E se se confirmou, então, a tese de que a imunidade deve operar em prol do Estado estrangeiro, foi por haver-se convencido a Casa, com acerto, de que quando o constituinte brasileiro promete a prestação jurisdicional a todos, ele o faz sobre a presunção de que a parte demandada é jurisdicionável.”

Acolhidos, por unanimidade, todos os fundamentos do voto do eminente Ministro Francisco Rezek, afastou o Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, a imunidade de um Estado estrangeiro que a ela não havia renunciado, permitindo, no caso, o prosseguimento da ação trabalhista ajuizada contra a Embaixada da República Democrática Alemã. Todavia, não foi, como visto, a regra de reajuste de competência contida no art. 114 da Constituição Federal que provocou essa mudança, mas sim a constatação de que o único fundamento jurídico que sustentava a imunidade absoluta dos Estados estrangeiros, além de não estar presente em norma escrita, situava-se em regra consuetudinária há muito superada por convenções e leis internacionais.
Em duas outras oportunidades, essa relevante construção jurisprudencial foi confirmada nesta Suprema Corte no âmbito de seus órgãos fracionários. Na Primeira Turma, por meio do julgamento do AI 139.671-AgR, DJ de 29.03.1996. Na Segunda Turma, com o julgamento do RE 222.368-AgR, DJ de 14.02.2003. Ambos os feitos tiveram como relator o eminente Ministro Celso de Mello e trataram, especificamente, do afastamento da imunidade de jurisdição dos Estados Estrangeiros em litígios trabalhistas. Extraio, do primeiro julgado, a seguinte passagem do voto do eminente relator, Ministro Celso de Mello, verbis:

“Esta Suprema Corte, ao acentuar o caráter meramente relativo da imunidade de jurisdição em determinadas questões, tem afastado a incidência dessa extraordinária prerrogativa institucional pertinente às soberanias estatais naqueles casos que se refiram (a) a reclamações trabalhistas, (b) a processos de indenização civil por danos ou, ainda, (c) a outros litígios decorrentes de situações ordinárias em que o Estado estrangeiro pratique atos de comércio ou, agindo como um simples particular, atue more privatorum (RTJ 133/159, Rel. Min. Sydney Sanches).
É preciso ter presente, neste ponto, que a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro – de origem consuetudinária, historicamente associada à prática internacional da comitas gentium – não resulta do texto da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, eis que esse tratado multilateral, subscrito com a finalidade de garantir o eficaz desempenho das funções de representação dos Estados pelas Missões diplomáticas, destina-se a conferir prerrogativas, como as imunidades de caráter pessoal ou aquelas de natureza real, vocacionadas à proteção do agente diplomático no desempenho de suas atividades (art. 31, p. ex.) ou à preservação da inviolabilidade dos locais da Missão (art. 22, v.g.).”

É possível, mais uma vez, extrair relevante conclusão para o deslinde da presente causa. Nesses três últimos precedentes citados, consagradores da teoria da imunidade jurisdicional relativa dos Estados estrangeiros, houve grande preocupação em demonstrar que um dos principais fatores que possibilitaram, em certos casos, o afastamento da imunidade das Nações estrangeiras foi, justamente, a inexistência de previsão dessa prerrogativa em acordos ou tratados internacionais celebrados pelo Brasil. Além disso, o novo entendimento firmado em nada interferiu na autoridade das normas de imunidade contidas nas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares de 1961 e 1963, das quais o Brasil é signatário, que seguem vigendo, normalmente, até os dias atuais.
Em suma, por maiores que tenham sido as mudanças promovidas por esta Corte a partir do julgamento da Apelação Cível 9.696, nada foi alterado com relação ao respeito que deve o Estado brasileiro a todos os acordos e tratados internacionais por ele regularmente celebrados.
5. Conforme visto, toda a evolução do tema da imunidade jurisdicional no Supremo Tribunal Federal alcançou, especificamente, os Estados estrangeiros, que deixaram de ter, em seu favor, norma consuetudinária internacional de imunidade absoluta fundada no princípio da igualdade entre as soberanias estatais.
É preciso que se diga, categoricamente, que em nenhuma passagem de qualquer dos relevantes precedentes anteriormente citados foi abordada a questão da imunidade jurisdicional das organizações internacionais. Não foram poucos os pronunciamentos judiciais que encontrei, de todas as instâncias judiciárias, que, invocando o precedente firmado na Apelação Cível 9.696, declararam, equivocadamente, ter esta Suprema Corte enfrentado a questão da imunidade dando aos Estados estrangeiros e aos organismos internacionais idêntica solução.
Na verdade, a construção jurisprudencial que resultou na relativização da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros mostra-se de todo inaplicável às organizações internacionais, que são pessoas de direito público internacional dotadas de características completamente distintas dos Estados que as formam.
Não se coaduna com os organismos internacionais, por exemplo, a noção de soberania, elemento essencial ao conceito de Estado. Sua atuação, poderes, prerrogativas e limites são definidos, em tratado constitutivo, pelos próprios Estados-membros, que os criam com a finalidade de alcançar determinados interesses comuns. Também não cabe falar, no que diz respeito às organizações internacionais, na prática de atos de império, porque igualmente inadequadas, quanto a elas, as idéias de supremacia e de vontade estatal. Além disso, as organizações internacionais não possuem território próprio. Sempre atuarão, portanto, nos domínios territoriais dos Estados.
No tocante à imunidade de jurisdição das organizações intergovernamentais, sua origem e finalidade, como não poderia ser diferente, são igualmente diversas daquela usufruída pelos Países. Enquanto estes a têm, ainda que de forma abrandada, por força de direito consuetudinário internacional, os organismos interestatais a recebem por expressa e formal vontade dos Estados-membros que os constituem.
É preciso ficar claro que a imunidade de jurisdição não é um atributo inerente à condição de organização internacional. A regra é, portanto, que elas não as tenha. Esses entes de direito público externo somente a gozarão, perante o Estado brasileiro, se existente norma específica nesse sentido, ou seja, tratados constitutivos e acordos de sede solenemente celebrados pelo Brasil nos quais estejam definidos os privilégios e imunidades que terão determinada organização internacional e seu pessoal no âmbito jurisdicional do Estado receptor. Caso contrário, não haverá qualquer distinção, para efeito de exercício da jurisdição, entre essas entidades de direito público externo e as demais pessoas jurídicas de direito interno.
Aliás, esta Casa já enfrentou caso no qual a verificação da existência de acordo internacional, perfeito e acabado, mostrou-se determinante para o reconhecimento da imunidade jurisdicional de determinado organismo internacional do qual o Governo Brasileiro havia se tornado membro.
Assim ocorreu no RE 67.544, de relatoria do eminente Ministro Luiz Gallotti, acórdão publicado em 02.09.1970, no qual uma ex-funcionária brasileira do Comitê Intergovernamental para Migrações Européias – CIME buscou dar prosseguimento à reclamação que havia proposto perante a Justiça do Trabalho contra aquela referida entidade.
Verificou-se, naquele caso, que embora o tratado constitutivo da referida organização previsse, em seu favor, a concessão de privilégios e imunidades necessários para o exercício independente de suas funções, exigia aquele documento a celebração de um novo acordo, nesse sentido, entre o próprio organismo citado e os governos interessados. Constatou-se, com base em pareceres elaborados pelo Ministério das Relações Exteriores, que esse específico acordo com o Brasil ainda estaria em fase de elaboração, motivo pelo qual a imunidade jurisdicional não poderia ser reconhecida.
Tendo prevalecido essa posição, ajuizou o recorrido, o Comitê Intergovernamental para Migrações Européias – CIME, a Ação Rescisória 909, de relatoria do eminente Ministro Carlos Thompson Flores, acórdão publicado em 12.06.1974. Nesse processo, demonstrou o relator que embora o referido acordo garantidor da imunidade de jurisdição fosse inexistente no momento do ajuizamento da reclamação trabalhista, já estava regularmente celebrado, aprovado e promulgado à época em que julgado o recurso extraordinário. O acórdão rescindendo havia sido prolatado, portanto, em afronta a literal disposição de lei, motivo pelo qual o pedido foi julgado procedente. Esta é a ementa do julgado:

“Ação Rescisória fundada no art. 798, I, c, e II, do Código de Processo Civil, contra acórdão do Supremo Tribunal Federal que admitiu reclamação trabalhista, formulada contra Comitê Intergovernamental para Migrações Européias, ao qual não se reconheceu imunidade de jurisdição, por depender de acordo com o Governo do Brasil.
II. Procedência com base no primeiro fundamento, porque o acordo em questão, cuja falta admitiu o acórdão, já vigorava então.”

Já na Apelação Cível 9.703, de relatoria do eminente Ministro Djaci Falcão e julgada em 28.09.1988 (DJ de 27.10.1989), esta Corte reconheceu, por unanimidade, a imunidade da Organização de Aviação Civil Internacional à jurisdição da Justiça do Trabalho brasileira.
Verificou-se, naquela oportunidade, ser aquele organismo uma das agências especializadas do Sistema das Nações Unidas, da qual o Brasil é parte.
Demonstrou o eminente relator, Ministro Djaci Falcão, que o Brasil, ao assinar o Acordo Básico de Assistência com a ONU e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto 59.298/66, havia se comprometido a aplicar àquela organização a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas, promulgada pelo Decreto 52.288/63, que reza, em seu art. 3º, 4ª Seção, que “as agências especializada, seus bens e ativo, onde estiverem localizados e qualquer que seja o seu depositário, gozarão de imunidade de todas as formas de processo legal, exceto na medida em que, em qualquer caso determinado houverem expressamente renunciado à sua imunidade. Fica entendido, porém, que nenhuma renúncia de imunidade se estenderá a qualquer medida de execução”.
Vê-se, portanto, que o exame já realizado pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne à imunidade de jurisdição dos organismos internacionais não guarda qualquer relação com a matéria da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros, pois, naquela primeira hipótese, o que prevalece não é a verificação da prática de atos de império ou de gestão e da possibilidade de afastamento de norma consuetudinária internacional, mas sim a averiguação da existência de tratados regularmente celebrados por meio dos quais o Brasil tenha se comprometido, no plano internacional, a garantir a imunidade de jurisdição à organização de que se tornou participante.
O eminente Ministro Francisco Rezek traz em uma de suas obras doutrinárias a seguinte advertência a respeito da singularidade que emerge do tema da imunidade das organizações internacionais, verbis:

“A organização não goza de privilégios apenas no seu lugar de sede. Ela tem o direito de fazer-se representar tanto no território de Estados-membros quanto no de Estados estranhos ao seu quadro, mas que com ela pretendam relacionar-se desse modo. Seus representantes exteriores, em ambos os casos, serão integrantes da secretaria – vale dizer, do quadro de funcionários neutros – e gozarão de privilégios semelhantes àqueles do corpo diplomático de qualquer soberania representada no exterior. Por igual, suas instalações e bens móveis terão a inviolabilidade usual em direito diplomático.
Problema distinto deste dos privilégios estabelecidos pelo direito diplomático (basicamente a Convenção de Viena de 1961) é o da imunidade da própria organização internacional à jurisdição brasileira, em feito de natureza trabalhista ou outro. A jurisprudência assentada no Supremo Tribunal Federal desde 1989 (...) somente diz respeito aos Estados estrangeiros, cuja imunidade, no passado, entendia-se resultante de ‘velha e sólida regra costumeira’, na ocasião declarada insubsistente. No caso das organizações internacionais, essa imunidade não resultou essencialmente do costume, mas de tratados que a determinam de modo expresso: o próprio tratado coletivo institucional, de que o Brasil seja parte, ou um tratado bilateral específico.
A imunidade da organização, em tais circunstâncias, não pode ser ignorada, mesmo no processo de conhecimento, e ainda que a demanda resulte de uma relação regida pelo direito material brasileiro. É possível que essa situação mude e que um dia, em nome da coerência e de certos interesses sociais merecedores de cuidado, às organizações internacionais acabem por se encontrar em situação idêntica à do Estado estrangeiro ante a Justiça local. Isso reclamará, de todo modo, a revisão e a derrogação de tratados que, enquanto vigentes, devem ser cumpridos com rigor.” (Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo, Saraiva, 10ª ed., 2007, p. 255-256.)

Ao proferir palestra em seminário, realizado em abril de 2002, quando ainda ocupava o cargo de Juiz da Corte Internacional de Justiça, teceu o eminente Ministro Francisco Rezek mais essas relevantes considerações a respeito da necessidade de observância às normas de direito internacional que prevejam a imunidade jurisdicional dos organismos internacionais, verbis:

“É nesse sentido que não se há de dizer que existe ou que tenda a existir no Século XXI uma imunidade generalizada para as organizações internacionais. Mas é nesse mesmo sentido que se há de garantir que algumas delas – e o número não é grande, é bem limitado – estão estabelecidas no território nacional mediante tratados celebrados com o Brasil, da natureza do acordo de sede, e que, no caso destas, é absolutamente imperativo que se observe a regra da imunidade, tal como o tratado a consagra, querendo-a ver obedecida.
(...)
Não há, por força de nenhuma regra geral, privilégio algum para as organizações. Elas, sobretudo quando tenham o Brasil como Estado-parte e tenham se estabelecido com a perfeita concordância e o desejo mesmo do Estado brasileiro em nosso território, hão de ver honrados pelo poder público, pela Justiça em particular, os termos dos respectivos compromissos. Não há falar em que é dado ao juiz ignorar esses compromissos, fazer analogias com o abandono da imunidade absoluta pelo Supremo, porque, naquele caso, o que se estava dizendo é que uma regra costumeira não existe mais, e, neste caso, não falamos de regras costumeiras, mas de compromissos convencionais escritos e perfeitamente precisos nos seus efeitos.
Quanto ao conteúdo mesmo desses preceitos convencionais, ele costuma ser bastante uniforme. Ou seja, são poucas – e é bom que sejam poucas – as organizações internacionais representadas no território brasileiro. Mas com elas, de um modo quase que generalizado, temos compromissos consacratórios da imunidade não só dos agentes da organização em termos inspirados no direito diplomático, mas também e sobretudo da própria organização, ficando seus bens cobertos pela inviolabilidade.” (A imunidade das organizações internacionais no Século XXI, in A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro. Coord. de Márcio Garcia e Antenor Pereira Madruga Filho. Brasília, Centro de Estudos de Direito Internacional, 2002, p. 17 e 20.)

6. No presente processo, a Organização das Nações Unidas invocou sistematicamente, desde sua contestação à reclamação trabalhista, proposta pelo recorrido na 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá, até o presente recurso extraordinário, o complexo de normas, decorrentes de tratados internacionais celebrados pelo Brasil, que lhe asseguram imunidade de jurisdição e de execução perante o Judiciário brasileiro.
Invocou, em primeiro lugar, disposição geral extraída da própria Carta das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 19.841, de 22.10.1945. O art. 105 do referido documento possui o seguinte teor:
“1. A Organização gozará, no território de cada um de seus Membros, dos privilégios e imunidades necessários à realização de seus propósitos.
2. Os representantes dos Membros das Nações Unidas e os funcionários da Organização gozarão, igualmente, dos privilégios e imunidades necessários ao exercício independente de suas funções relacionadas com a Organização.
3. A Assembléia Geral poderá fazer recomendações com o fim de determinar os pormenores da aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo ou poderá propor aos Membros das Nações Unidas convenções nesse sentido.”

Apontou, igualmente, norma presente no Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, suas Agências Especializadas e a Agência Internacional de Energia Atômica, promulgado pelo Decreto 59.308, de 23.09.1966. Nesse acordo, estão estabelecidos os direitos e obrigações de cada parte na execução dos projetos de cooperação. É com base nesse estatuto de direito internacional que a ONU, por intermédio do PNUD, promove a cooperação com o Brasil em empreendimentos voltados para o desenvolvimento do País. Em seu art. V, 1, a, há a expressa previsão de que o Governo celebrante deverá aplicar, com relação à Organização das Nações Unidas, seus bens, fundos e haveres, a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas.
Finalmente, este último diploma referido, promulgado pelo Decreto 27.784, de 16.02.1950, prevê, em sua Seção 2, que “A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja sua sede ou o seu detentor, gozarão de imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas.”
O professor Luiz Olavo Baptista, em parecer publicado em obra que reúne vários de seus estudos, asseverou que a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas “é também um instrumento de cooperação internacional, pois objetiva garantir as Nações Unidas e seus órgãos subsidiários a necessária independência para agirem conforme seus propósitos institucionais, sem as pressões circunstanciais e arbitrárias de um Estado”. Afirma aquele respeitável jurista, em conclusão, que “o PNUD não está obrigado a se submeter a qualquer ato de jurisdição do Estado Brasileiro – citações, intimações, dentre outros – que possa envolver restrições a direitos relativos a bens de sua propriedade, inclusive moedas, e é totalmente ilícito qualquer ato jurisdicional que imponha restrições ao exercício do direito de propriedade – ou seja aqueles relativos à imunidade de execução”. (Imunidade de Jurisdição na Execução dos Projetos de Cooperação entre o PNUD e o Governo Brasileiro, in Lições de Direito Internacional – Estudos e Pareceres de Luiz Olavo Baptista. Organização de Maristela Basso e Patrícia Luciane de Carvalho. Curitiba, Juruá Editora, 2008, p. 309.)
O acórdão recorrido, deixando de lado todas essas normas incorporadas ao nosso ordenamento jurídico e que exprimem compromissos internacionais solenemente assumidos pelo Estado brasileiro, afastou a imunidade jurisdicional da ONU/PNUD asseverando ter a Constituição Federal estabelecido, em seu art. 114, a competência da Justiça do Trabalho para julgar as demandas trabalhistas que envolvam os entes de direito público externo.
Esse entendimento contraria, em primeiro lugar, a interpretação que esta Suprema Corte deu, por unanimidade, ao art. 114 da Constituição Federal, por ocasião do julgamento da Apelação Cível 9.696, de que foi relator o eminente Ministro Sydney Sanches. Como já exposto no presente voto, esta Casa constatou, naquele julgado, que o dispositivo constitucional ora em exame promoveu, tão-somente, uma redefinição de competência que, na ordem constitucional pretérita, era atribuída a outro órgão do Poder Judiciário brasileiro, a Justiça Federal comum. Conforme esclareceu, naquela ocasião, o eminente Ministro Francisco Rezek, esse comando “não exclui a possibilidade de que essa competência resulte acaso inexercitada”, não tendo, assim, provocado qualquer alteração no campo da imunidade de jurisdição das organizações internacionais.
Além disso, a interpretação impugnada do art. 114 da Carta Magna, dada pelo Tribunal Superior do Trabalho, incorre em flagrante equívoco técnico, pois confunde os institutos processuais da competência e da jurisdição. Enquanto esta se define como uma das mais relevantes atribuições do Estado, qual seja, a aplicação do Direito, aquela se constitui numa repartição da função jurisdicional entre os juízes e Tribunais que formam o Poder Judiciário. Nesse sentido, assim discorreu, com precisão, o professor Luiz Olavo Baptista sobre o posicionamento do art. 114 com relação a esses conceitos, verbis:

“A regra do art. 114 da Constituição é de competência judiciária. Ela outorga à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar dissídios trabalhistas entre empregadores e empregados, ‘abrangidos os entes de direito público externo’, o que compreende a competência ratione materiae, para resolver essas questões assim como a ratione personae. Mas ela não é atributiva de jurisdição quando esta não existe.
A imunidade de jurisdição é disciplinada por normas internacionais e nacionais, e produz o efeito de excluir certas categorias de pessoas e bens à jurisdição de um ente soberano. Havendo imunidade, exclui-se a jurisdição daquele ente, e naturalmente, da esfera de competência atribuída aos seus diferentes órgãos judiciais. Desta forma, a citada norma da Constituição – que é claramente de distribuição ou repartição de competência – possui apenas alcance no raio de ação da jurisdição nacional.
(...)
A regra do art. 114 é, sem sombra de dúvida, de competência judiciária, e resulta da divisão do poder jurisdicional do Estado brasileiro. O que ela estabelece é que, nos casos de imunidade relativa, ou seja, da não aplicação da imunidade de jurisdição e de execução em relação a certos atos, bens e funcionários de outros Estados ou de Organizações Internacionais, a Justiça do Trabalho é o órgão competente. Isto porque, interpretando as regras gerais de Direito Internacional Público, o Brasil, como outros países, relativizou a extensão dessa imunidade. Mas, para que a competência seja exercida, preliminarmente, deve-se constatar se há jurisdição do Estado sobre a pessoa.
Ora, a regra da imunidade de jurisdição, repetindo, foi reconhecida pelo costume internacional. Tratados Internacionais vieram a estabelecê-la entre seus signatários.
Em tese, esses Tratados seriam desnecessários, pois os costumes constituem-se em normas de Direito Internacional. Mas passaram a ser celebrados, justamente para estabelecer a imunidade e seus limites, em especial quando esta passou a ser vista como relativa. Visavam esses acordos, eliminar a possibilidade de interpretação restritiva da imunidade (relativizando-a) ou definir claramente seus limites.” (Imunidade de Jurisdição na Execução dos Projetos de Cooperação entre o PNUD e o Governo Brasileiro, in Lições de Direito Internacional – Estudos e Pareceres de Luiz Olavo Baptista. Organização de Maristela Basso e Patrícia Luciane de Carvalho. Curitiba, Juruá Editora, 2008, p. 304 e 306-307.)

É de ser reconhecer, portanto, diante de tudo que aqui foi exposto, que a Justiça do Trabalho, interpretando de forma equivocada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da relativização da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros e o texto do art. 114 da Constituição, tem afrontado, como parte do Estado brasileiro que é, relevantes acordos internacionais celebrados pelo País e que garantem a imunidade de jurisdição e de execução de organizações internacionais de importância mundial.
Trata-se de assunto da maior gravidade, pois seria ilusão pensar que essas entidades, chamando o País à sua responsabilidade internacional, não reagirão de forma veemente contra tal inadimplência, em patente prejuízo ao desenvolvimento social e econômico do Brasil, em tão grande parte incentivados pela essencial cooperação técnica promovida por tais organismos.
Não é demais lembrar que o Brasil tem como princípio basilar a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (CF, art. 4º, IX). Conforme lição de Luiz Olavo Baptista, “o Estado brasileiro deve criar as condições para a execução de atividades de cooperação internacional, ativa e passiva. Está obrigado a adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias para atender a esse objetivo constitucional, e seus órgãos devem agir de modo a facilitar a execução dessas atividades”. (Imunidade de Jurisdição na Execução dos Projetos de Cooperação entre o PNUD e o Governo Brasileiro, in Lições de Direito Internacional – Estudos e Pareceres de Luiz Olavo Baptista. Organização de Maristela Basso e Patrícia Luciane de Carvalho. Curitiba, Juruá Editora, 2008, p. 294.)
Acrescente-se, a tudo isso, que as contratações temporárias de pessoas dotadas de determinada expertise (consultores), realizadas pelo PNUD no âmbito dos projetos de cooperação técnica desenvolvidos no Brasil, tal como a que foi firmada com o ora recorrido, estão inseridas em realidade completamente distinta daquela lamentavelmente vivida pelos ex-empregados brasileiros de embaixadas e consulados que, após anos de trabalho como motoristas, secretários, jardineiros ou cozinheiros, eram sumariamente dispensados sem o mínimo respeito às garantias trabalhistas locais.
Os referidos contratos temporários, firmados de acordo com as normas de pessoal estabelecidas nos regulamentos internos do PNUD e nos documentos de cooperação, prevêem, além da remuneração, diárias de viagem, licença anual, licença em caso de doença, licença-maternidade e outros benefícios complementares.
Além disso, os contratos firmados por intermédio do PNUD atendem ao que disposto na Seção 29, a, da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, que determina, à ONU, o estabelecimento de processos adequados de solução para “as controvérsias em matéria de contratos ou outras de direito privado nas quais a Organização seja parte”. Prevêem, nesse sentido, que qualquer disputa relacionada à sua interpretação ou à sua execução que não puder ser dirimida de forma amigável será resolvida por corpo de arbitragem composto por um representante da agência nacional executora e outro do próprio PNUD.
Vê-se, portanto, que os técnicos contratados nessas circunstâncias não estão desprovidos, em razão da imunidade de jurisdição gozada pela ONU, de mecanismo de solução de controvérsias eventualmente surgidas durante a vigência do contrato de prestação de serviço celebrado. Em último caso, numa hipótese extremada em que o PNUD viesse a dar as costas a uma eventual reivindicação, estaria ele mesmo descumprindo a referida Seção 29 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, abrindo aí a possibilidade de o Governo brasileiro reclamar internacionalmente desse fato perante a Organização das Nações Unidas.
Registro, por fim, que esse regime de contratação de pessoal especializado é tão alheio ao ordenamento jurídico brasileiro que nos contracheques do recorrido, juntados às fls. 87-92, não há sequer os descontos usuais de imposto de renda e de previdência oficial.
A Justiça Trabalhista brasileira, ao deixar de reconhecer, nas reclamações trabalhistas ajuizadas por ex-contratados da ONU/PNUD, a imunidade de jurisdição dessa organização internacional beneficiada por acordos e convenções regularmente assinados pelo Governo brasileiro, presta enorme desserviço ao País, pondo em risco a continuidade da cooperação técnica recebida desse ente de direito público internacional.
7. Assim, o acórdão recorrido, ao dar interpretação extravagante à regra de competência insculpida no art. 114 da Constituição Federal, declarando-o abolitivo de toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição porventura existente em matéria trabalhista, violou, frontalmente, o próprio texto desse mesmo dispositivo constitucional. Desrespeitou o acórdão contestado, igualmente, o art. 5º, § 2º, da Carta de 1988, pois ignorou o teor de tratados internacionais celebrados pelo País e que garantem a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente.
Por essa razão, conheço em parte, pelo art. 102, III, a, da Carta Magna, dos recursos extraordinários interpostos pela ONU/PNUD e pela União, e, nessa parte, a eles dou provimento para, reconhecendo a violação, nos termos no art. 485, V, do CPC, à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, julgar procedente o pedido rescisório formulado, ficando desconstituído o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (fls. 202-211) e reconhecida a imunidade de jurisdição e de execução da ONU/PNUD. Condeno o recorrido ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (hum mil reais).

* julgamento pendente de conclusão

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
4 a 8 de maio de 2009

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) - Poder Judiciário - Diárias

Resolução nº 73/CNJ, de 28 de abril de 2009 - Dispõe sobre a concessão e pagamento de diárias no âmbito do Poder Judiciário. Publicada no DJE/CNJ de 7/5/2009, n. 71, p. 2. Publicada também no DOU de 7/5/2009, Seção 1, p. 119-120.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) - Registro Público - Registro Civil de Nascimento - Registro Civil de Casamento - Certidão de Óbito

Provimento nº 2/CNJ, de 27 de abril de 2009 - Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de certidão de casamento e de certidão de óbito, a serem adotados pelos Ofícios de Registro Civil das Pessoas Naturais em todo país. Publicado no DJE/CNJ de 4/5/2009, n.68, p.24. Publicado também no DOU de 4/5/2009, Seção 1, p.205.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) - Fotocópia - Processo Judicial

Resolução nº 398/STF, de 5 de maio de 2009 - Dispõe sobre cópias reprográficas de peças de processos judiciais. Publicada no DJE de 8/5/2009, n. 84, p. 1.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) - Prescrição - Prazo Processual - Processo Penal

Resolução Conjunta nº 1/STF/STJ, de 5 de maio de 2009 - Dispõe sobre cadastramento da estimativa de prazos prescricionais nos processos de natureza penal em tramitação no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Publicada no DJE de 7/5/2009, n. 83, p. 1.



Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 545 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário